sexta-feira, 10 de abril de 2020

Nota de Criola: Pela abertura da maternidade Leonina Leonor Ribeiro



CRIOLA é uma organização da sociedade civil fundada em 1992 e conduzida por mulheres negras. Atua na defesa e promoção de direitos das mulheres negras em uma perspectiva integrada e transversal. Compreendemos que as mulheres negras são agentes de transformação e de enfrentamento ao racismo, sexismo, lesbofobia (discriminação contra lésbicas) e transfobia (fobia contra transexuais e travestis), contribuindo para a construção de uma sociedade fundada em valores de justiça, equidade e solidariedade. É central para nós a luta pela promoção da saúde sexual e reprodutiva de mulheres negras, e neste sentido, nos pronunciamos sobre a situação abaixo.

Em junho de 2009, em Venda Nova, região metropolitana de Belo Horizonte – MG,  ficava pronta para inauguração a  Maternidade/Centro de Parto Normal Intra-hospitalar Leonina Leonor Ribeiro, no prédio anexo à Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
A Maternidade seria equipamento voltado ao atendimento na linha de humanização do parto[1]. Conta com seis leitos de pré-parto, parto e puerpério (PPP), com banheiras e acessórios especiais para a prática de exercícios que auxiliam pessoas gestantes durante o trabalho de parto, além de 10 leitos de cuidados progressivos para os bebês.
Sua estrutura também ofereceria enfermaria com direito à acompanhante, climatização nas salas de cirurgia/bloco cirúrgico  sala de espera, terraço para convivência, entre paciente e acompanhante, e estacionamento anexo[2].
A Central de Parto Normal custou mais de 4,9 milhões de reais[3] e se tornaria referência para o atendimento, desafogando as demais maternidades próximas do município como a pequena unidade de atendimento dentro do Hospital Risoleta Neves onde não pode ser oferecido o modelo assistencial estabelecido pela Resolução no 36, de 2008, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que poderia ser fornecido pela Maternidade Leonina Leonor[4]
Contudo, 11 anos após a conclusão de suas obras, o referido Centro continua fechado e inutilizado sob a alegação de que faltariam recursos para o seu funcionamento[5], isto à revelia das reivindicações sociais e compromissos do poder público. A abertura da Maternidade Leonina e Leonor foi eleita prioridade pela 14ª Conferência Municipal de Saúde em 2017 e definida como a meta 4.2.4 no eixo de urgência, emergência e atendimento hospitalar no Plano Municipal de Saúde de Belo Horizonte 2018 – 2021, documento que expressa as responsabilidades da gestão municipal sobre a construção de políticas e ações de saúde a partir de um diagnóstico das condições e necessidades da população, mas segue sendo descumprido e a Maternidade permanece fechada[6].
A Região Metropolitana de Belo Horizonte, composta por 34 municípios e uma população estimada em 5.397.438 habitantes[7] constitui a terceira maior aglomeração urbana do Brasil, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro[8]. Venda Nova é distrito da referida Região e Metropolitana no Vetor norte, apresenta um total de 241.699 habitantes, sendo 51,61% mulheres e com faixa etária predominante é de 19 a 44 anos, equivalente a 68,34%. Além disto, em grande parte são elas mulheres pobres com faixas salariais predominantes de meio a 01 salário mínimo (26,38%) e de 01 a 02 salários mínimos (26,20%)[9]. Assim, atualmente grande parte da população que compõe a região de Venda Nova é de mulheres, pobres e em idade fértil/reprodutiva. Estas são as mulheres que recorrem ao Sistema Único de Saúde para atendimento pré-parto, parto e pós-parto e que são prejudicadas pelos 11 anos de Maternidade Leonina Leonor fechada!
Em agosto de 2015 formou-se o Movimento #NasceLeonina, por mulheres ativistas, usuárias, profissionais, conselheiras e parlamentares para cobrar providências. Elas acompanharam pelo menos três visitas técnicas, uma realizada em 2017, outra em agosto de 2019[10] e a mais recente em fevereiro de 2020[11] com a Comissão de Saúde e Saneamento da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Em todas as três oportunidades foi verificado que a Maternidade encontra-se em estado de má conservação e corre riscos de deterioração[12].
Caso este equipamento de saúde para pessoas gestantes estivesse aberto, teria a capacidade para atender 350 parturientes por mês inicialmente e atualmente a expectativa seria a de que a unidade realizasse cerca de 500 partos humanizados por mês e atendesse para além do Distrito de Venda Nova, o colar do Vetor Norte[13]. Com as portas fechadas a saúde da pessoa gestante é gravemente impactada na região: mais de 70% destas que dependem do Sistema Único de Saúde tem que migrar para realizar o pré-natal e ter seus bebês em unidades de referência. 
A precarização da assistência, as desigualdades em relação à oferta de leitos obstétricos, a falta de investimentos na saúde sexual e reprodutiva, embasados pelo racismo e pelo sexismo, resultam em injustiças e violências como a peregrinação[14].
A peregrinação é forma de violência obstétrica por estar diretamente relacionada a anulação dos direitos durante o processo reprodutivo e se expressa em maior ocorrência entre mulheres negras[15] em razão da ação do racismo institucional. Esta situação traz sério risco para as vidas de gestante e de seus bebês, favorecendo os desfechos negativos do parto e o aumento dos índices de mortalidade materna e neonatal.
A abertura da Maternidade Leonina Leonor é prioritária para melhoria da assistência à saúde e também para a formação adequada de profissionais na redução da violência obstétrica, mortalidade materna que se encontra em quadro preocupante, local e nacionalmente.
As ações dos governos locais, estaduais e federais não têm sido suficientes para promover a saúde das pessoas gestante e ainda enfrentamos um contexto de retrocessos de políticas públicas e de orçamento para área de saúde da mulher ancoradas em processos de racismo patriarcal e alargamento das iniquidades e injustiças em saúde reprodutiva. Na conjuntura dos contextos locais que estes problemas de saúde reprodutiva se confirmam: é acompanhando a retomada de crescimento da mortalidade materna a partir de 2013 a 2018, de 62 para 64,4 em cada 100 mil nascidos vivos[16] e a entrada em vigor da Emenda Constitucional 95/2019, impositora de teto ao investimento no Sistema Único de Saúde, que a inatividade da referida maternidade se torna ainda mais prejudicial. A abertura da Maternidade Leonina Leonor se faz necessária e urgente!
Para fortalecer lutas como essa CRIOLA prioriza a estratégia de Justiça Reprodutiva. O direito à assistência adequada e gratuita a pessoa gestante a ser promovido pela abertura desta maternidade, integra patamar básico para o bem-viver e para reduzir as desigualdades promovidas pelo racismo patriarcal nas trajetórias de vida. Pela vida de gestantes negres, #NasceLeonina!
Crédito da foto: ALMG/ Clarissa Barçante
Foto da visita da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais para conhecer as instalações da Maternidade Leonina Leonor Ribeiro, em 08/08/19.

[1] Ver: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/08/09/interna_gerais,890569/mpmg-pede-abertura-de-maternidade-que-deveria-estar-funcionando-desde.shtml[2] Ver: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/08/09/interna_gerais,890569/mpmg-pede-abertura-de-maternidade-que-deveria-estar-funcionando-desde.shtml [3] Ver: https://monicaaguiarsouza.blogspot.com/2020/02/por-monica-aguiar-o-centro-de.html [4] Resolução disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2008/res0036_03_06_2008_rep.html e matéria com elementos técnicos em: https://www.brasildefatomg.com.br/2019/08/09/maternidades-de-bh-nao-seguem-normas-que-garantem-autonomia-na-hora-de-parir [5] https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/08/09/interna_gerais,890569/mpmg-pede-abertura-de-maternidade-que-deveria-estar-funcionando-desde.shtml [6] Ver o Plano Municipal de Saúde de Belo Horizonte  2018 – 2021 em: https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/saude/PMS%202018-2021%20aprovado.pdf [7] Ver dados demográficos  https://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_Metropolitana_de_Belo_Horizontehttps://pt.wikipedia.org/wiki/Demografia_de_Belo_Horizonte#cite_note-IBGE_Pop_2007-3https://pt.wikipedia.org/wiki/Demografia_de_Belo_Horizonte#cite_note-SIDRA-4[8] A região metropolitana da cidade é o 62º maior aglomerado urbano do mundo e o sétimo da América Latina (atrás da Cidade do México, São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Bogotá e Lima) Ver dados em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Demografia_de_Belo_Horizonte#cite_note-wg-5.[9] IBGE 2000/ adaptado CDL BH.[10] Ver em: https://www.brasildefatomg.com.br/2019/08/09/maternidades-de-bh-nao-seguem-normas-que-garantem-autonomia-na-hora-de-parir [11] Ver em: https://monicaaguiarsouza.blogspot.com/2020/02/por-monica-aguiar-o-centro-de.html [12] Ver: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/08/09/interna_gerais,890569/mpmg-pede-abertura-de-maternidade-que-deveria-estar-funcionando-desde.shtml e https://monicaaguiarsouza.blogspot.com/2020/02/por-monica-aguiar-o-centro-de.html;[13] Ver: https://monicaaguiarsouza.blogspot.com/2020/02/por-monica-aguiar-o-centro-de.html;[14] http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n4/1414-8145-ean-19-04-0614.pdf;[15] LEAL, Maria do Carmo et al. A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil. Cad. Saúde Pública [online]. 2017, vol.33, suppl.1 [cited  2017-09-27], e00078816.Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2017001305004&lng=en&nrm=iso>.  Epub July 24, 2017. ISSN 1678-4464.  http://dx.doi.org/10.1590/0102-311×00078816.[16] https://revistacrescer.globo.com/Voce-precisa-saber/noticia/2019/07/mortalidade-materna-brasil-esta-cada-vez-mais-longe-da-meta-internacional.html

terça-feira, 7 de abril de 2020

Coronavírus: 92% das mães nas favelas dizem que faltará comida após um mês de isolamento, aponta pesquisa

“Muitas pessoas entraram na linha de pobreza da noite para o dia. O casal que trabalhava no shopping na semana retrasada, que recebia por semana, fez a compra da semana passada e nesta semana já não está mais trabalhando. Porque o shopping fechou, o patrão também quebrou. Hoje esse casal está com três filhos em casa, que não estão mais comendo na escola. Você tem o casal em casa, os três filhos e muitas vezes os pais do casal, idosos, que moram com eles.”
Por Ligia Guimarães, Da BBC News  / Geledés
Imagem de uma comunidade
(Foto:FELIPE SOUZA/BBC BRASIL)
É a partir da cena descrita acima que o produtor cultural Celso Athayde, fundador e coordenador geral da Central Única das Favelas (CUFA), organização fundada há 20 anos e que reúne 500 comunidades em todo o país, explica a situação de urgência que vivem os 13,5 milhões de brasileiros que moram nas favelas e depararam-se, subitamente, com a chegada do coronavírus ao Brasil.
Na tentativa de levar ajuda a essas comunidades que até agora não foram contempladas com um plano público nacional específico de combate à covid-19, o desafio, diz Athayde, era definir quais deveriam ser as pessoas a receberem socorro e doações prioritariamente nas iniciativas assistenciais da CUFA.
Pesquisa realizada pelo Data Favela e pelo Instituto Locomotiva aponta que as favelas do Brasil têm 5,2 milhões de mães. Destas, 72% afirmam que a alimentação de sua família ficará prejudicada pela ausência de renda, durante o isolamento social. 73% dizem que não têm nenhuma poupança que permita manter os gastos sem trabalhar por um dia que seja. 92% dizem que terão dificuldade para comprar comida após um mês sem renda. Oito a cada dez dizem que a renda já caiu por causa do coronavírus, e 76% relatam que, com os filhos em casa sem ir para a escola, os gastos em casa já aumentaram.
Durante a pandemia, CUFA tem arrecadado toneladas de alimentos e produtos de limpeza para distribuir nas favelas (Foto: DIVULGAÇÃO/CUFA)
“Os mais frágeis da sociedade são os moradores de favela. Os mais frágeis entre os favelados são as mulheres. E os mais frágeis entre as mulheres são as mães. Por que? Porque elas cuidam dos filhos, muitas vezes trabalham no emprego informal, costurando, fazendo unha, e ainda cuidam dos velhos. Porque todos os velhos, 90% dos idosos das favelas, são as mulheres que cuidam: sejam noras ou sejam filhas”.
E, diante da pandemia do coronavírus, a sobrecarga das mães da favela é também emocional: como cuidar de tudo isso, subitamente, sem renda. “Ela olha para o idoso, que é o pai ou o idoso, e fala: o que é que eu faço com ele? O que eu faço com as crianças? É desespero”, diz Athayde, a respeito dos dados da pesquisa.
“90% dos idosos das favelas são as mulheres que cuidam: sejam noras ou sejam filhas”
– Celso Athayde, Central Única das Favelas (CUFA)
As pesquisas do Data Favela, fundado por Athayde e Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, são realizadas pelos moradores das comunidades, que são treinados e supervisionados pela equipe do instituto de pesquisa. Para este levantamento, realizado entre os dias 26 e 27 de março de 2020, foram entrevistadas 621 mulheres maiores de 16 anos, com filhos, moradoras de 260 favelas em todos os Estados do país. A margem de erro da pesquisa é de 2,9 pontos percentuais para mais ou para menos.
A divulgação da pesquisa faz parte das ações de lançamento, nesta quinta-feira (2), da campanha “Mãe de Favela”, criada para arrecadar recursos a serem distribuídos para mães das favelas em todo o país. A opção, explica o produtor cultural, é baseada em evidências e estudos, inclusive sobre o programa Bolsa Família, de que o dinheiro da assistência dado à mulher gera muito mais impacto social que o dado ao homem da família.
“A mulher controla melhor o orçamento doméstico, faz melhor uso do dinheiro e é a pessoa que cuida tanto das crianças quanto dos idosos, que são o grupo de risco para o coronavírus”, diz Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva. “A certeza do bom uso do dinheiro tem a ver com essa escolha pela mãe de família”.
As beneficiadas receberão, por dois meses, um auxílio de R$ 120 reais e batizado de “vale-mãe”. “Ela recebe os R$ 120 no próximo dia 15. Cada favela está indo em busca desse perfil de mãe, definido a partir da pesquisa, para serem as primeiras beneficiadas”, diz.
O dinheiro será recebido pelo celular, a partir de uma parceria com a empresa de pagamentos e transferências PicPay, mediante cadastramento do CPF pelo telefone. O dinheiro do benefício será arrecadado pela CUFA por meio da campanha lançada na terça. A fase piloto começou com 5 mil mães, mas já têm 30 mil mulheres cadastradas. A intenção é, de acordo com a arrecadação, ampliar o valor e estender o período de concessão das bolsas.
A campanha, explica o produtor, já ganhou o apoio de empresas e artistas, como a cantora Iza, Lulu Santos, Zeca Pagodinho, Taís Araújo e Lázaro Ramos, Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank. A partir de amanhã, a ideia é que qualquer um possa ajudar com doações. “Lançamos o site para receber doações pelo PicPay e vamos criar uma vaquinha pelo site. Teremos auditoria da Pro Audit, uma auditoria respeitada, que vai auditar a contagem do site. Além disso, as empresas doadoras também designarão auditores próprios”. “Para que todos tenham a confiança de que o dinheiro tem objetivo claro”.
E o poder público?
Embora as favelas sejam apontadas como as regiões mais vulneráveis ao coronavírus, pela combinação da falta de espaço, escassez de recursos, poupança, estoque de comida e saneamento básico para manter as condições de higiene necessárias para evitar a propagação da doença, elas não foram contempladas em nenhum plano nacional específico de prevenção e combate à covid-19.
Meirelles, do Locomotiva, diz que, embora o início da pandemia tenha se dado na parcela mais rica da sociedade, a concentração demográfica e as limitações sociais das favelas representam, do ponto de vista da saúde pública, um risco também para quem mora no “asfalto”.
“Não é apenas um risco para as favelas, mas também para os moradores de outras regiões da cidade. Tem se feito essa discussão sobre saúde ou economia, mas você não retoma a economia com uma pilha de corpos”, diz, em referência a falas como as do presidente Jair Bolsonaro, que defendeu a prática do “isolamento vertical”, que abrangeria apenas as pessoas que se encontram no grupo de risco — como idosos e portadores de doenças crônicas —, para que as demais pudessem voltar à normalidade e trabalhar.
“Na prática”, diz Meirelles, “quando se fala dos moradores de favela, estão usando o retrato da desigualdade para dizer que eles têm que voltar a trabalhar. Só que isso não existe. Não me parece digno que a sociedade obrigue que essas pessoas escolham de quem vão abrir mão da sua família para garantir a retomada da economia.”

sexta-feira, 3 de abril de 2020

O SUS invisível

Dra.Cida Bento 

Por Cida Bento, Folha de S.Paulo, 2 abr 2020

Assistindo a programas jornalísticos sobre a Covid-19, nas redes de televisão, é possível observar que nunca é mencionado o sistema que oferece a maioria dos dados, imagens e especialistas que aparecem e dão consistência às reportagens: o SUS —Sistema Único de Saúde.

Por que o SUS, tão presente em nossas vidas neste momento, vem sendo invisibilizado? A marca SUS praticamente não aparece nas fachadas dos hospitais públicos, ou em seus ambulatórios e centros cirúrgicos, ou nos jalecos dos médicos, ou nas ambulâncias do Samu, nos uniformes dos socorrista...?

Um sistema responsável, diretamente, pela saúde de mais de 150 milhões de pessoas, desenvolvendo ações de vigilância, disponibilizando medicamentos e fazendo atendimentos de alta complexidade, que beneficiam praticamente todos os brasileiros, e estudado e replicado em diversos lugares do mundo. Por que o silêncio sobre o SUS?

Custeado pela União, estados e municípios, o SUS é um sistema público, gratuito, universal; é um direito social, e provavelmente por essa razão vem sendo invisibilizado e atacado.

Caco Xavier e Paulo Capel Narvai destacam em excelente artigo que há um investimento na desconstrução da marca do SUS para viabilizar negócios transformando cuidados de saúde em mercadorias. Para isso, é necessário produzir uma imagem negativa do SUS, e atacá-lo.

Pudemos acompanhar esses processos de ataque às políticas públicas, em particular ao SUS, no descredenciamento de laboratórios que forneciam medicamentos de alto custo para pacientes transplantados e no encerramento do Programa Mais Médicos, o que afetou milhões de pessoas.

É preciso lembrar que grande parte de nossa população mora em favelas e depende quase exclusivamente do SUS (80%) para ter acesso a serviços na área da saúde. Segundo o IBGE, 52,1 milhões de brasileiros vivem com uma renda domiciliar per capita de R$ 387 mensais (2016). E essa pobreza atinge principalmente crianças e adolescentes de 0 a 14 anos (42%), homens e mulheres negras (67%) e mulheres negras chefes de família com filhos (64%).

A maior parte dos serviços de saúde em favelas ocorre em unidades de Atenção Primária de Saúde, cujo trabalho envolve a atuação de equipes de saúde da família e de agentes comunitários de saúde, segundo o Dicionário de Favelas Marielle Franco. Esse último é um programa criado em 1991 objetivando melhorar o acolhimento dos usuários do sistema de saúde, com pessoas da própria comunidade treinadas para exercer funções no sistema e encaminhar os pacientes para profissionais especializados.

O grande objetivo é o fortalecimento da atenção básica, que desloca o foco do sistema de saúde da cura para a prevenção, com menor custo e mais interação com a comunidade. Esse objetivo se choca frontalmente com a intenção evidente do governo de privatizar a atenção básica de saúde, no país.

Assim é que mais de 25 organizações da sociedade civil ingressaram, em 17/3, no STF, solicitando suspensão imediata da emenda constitucional 95 —aquela referente ao congelamento dos gastos públicos por 20 anos— argumentando que o desmonte sistemático da “rede de proteção social” construída no Brasil ao longo dos últimos anos —onde se encontra o SUS— torna-se hoje grave obstáculo para o enfrentamento eficaz da pandemia de coronavírus, podendo levar o sistema de saúde e outras políticas sociais ao colapso.

Esse cenário nos leva a relembrar o que Achille Mbembe definiu como “necropolítica”
—que se explicita quando os governos decidem sobre quem viverá e quem morrerá, e mais, de que forma viverão e morrerão.

Cida Bento
Diretora-executiva do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

segunda-feira, 30 de março de 2020

Presidente do Brasil removerá de suas terras QUILOMBOLAS que habitam região desde século 17

(Foto: Eduardo Queiroz/Amazônia Real)
No meio da pandemia do novo coronavírus, o Governo brasileiro publicou resolução tomada por sete ministros que anuncia a remoção e o reassentamento de famílias quilombolas no Maranhão. 
A medida poderá atingir 800 famílias de 30 comunidades dos descendentes de escravos que habitam a região desde o século 17. 
Por Rubens Valente, Do UOl
O documento, publicado no Diário Oficial de ontem (27), também confirma que o governo federal avançará por mais 12 mil hectares da região de Alcântara além da área já utilizada atualmente pelo CLA (Centro de Lançamentos de Alcântara). O governo Bolsonaro quer abrir a possibilidade de exploração da base para diversos países, cobrando uma espécie de aluguel pela parceria. Com os EUA, já assinou um acordo de cooperação no ano passado.
A resolução é assinada pelo general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), na condição de coordenador do CDPEB (Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro), criado em 2018 e remodelado em 2019. O documento diz refletir o resultado da sétima reunião plenária do comitê, ocorrida no dia 4 de março.
O anúncio da medida causou um choque na comunidade quilombola de Alcântara. “Estamos perplexos com esta medida extremamente autoritária e que pode legar um futuro marcado por mais violações, como ocorreu na ditadura militar nos anos 1980 quando as primeiras famílias foram compulsoriamente deslocadas e a até hoje sofrem os impactos disso”, disse o cientista político Danilo Serejo, assessor jurídico do Mabe (Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara). Do último ano da ditadura e até 1987, 312 famílias foram removidas de suas casas por ordem do governo.
A nova resolução diz que os quilombolas serão consultados em atendimento à Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Porém, ao mesmo tempo já informa que o governo fará as remoções e indica qual órgão público deverá cuidar de cada aspecto das mudanças.
O Ministério da Defesa, por exemplo, por meio do Comando da Aeronáutica, fará “a execução das mudanças das famílias realocadas, a partir do local onde hoje residem e até o local de suas novas habitações, incluindo o transporte de pessoas e semoventes [animais de criação]”. O Incra fará o “projeto de reassentamento”.
Caberá ao Ministério da Ciência e Tecnologia promover, por meio da Agência Espacial Brasileira e colaboração da área militar, determinadas “ações midiáticas do atual Centro de Lançamento de Alcântara e do futuro Centro Espacial de Alcântara, como forma de fomentar o turismo na região”. A resolução não explica quais são as “ações midiáticas” previstas.
Danilo Serejo disse que a medida é tomada “ao arrepio da lei e à margem de qualquer participação das comunidades”. “A comunidade não participa das discussões e reuniões desse comitê, tampouco foi informada das deliberações ali travadas. Não temos assento no Comitê. A Resolução já dá o deslocamento de comunidade como certo. Gostaria de destacar isso, é extremamente grave esta postura do governo totalmente na contramão dos documentos internacionais de proteção à vida e aos direitos das comunidades quilombolas”, disse Serejo.
O Brasil é signatário da Convenção 160 da OIT, que prevê uma consulta prévia, livre e informada, e já introduziu a medida no seu ordenamento jurídico. Para os quilombolas, porém, o governo desconsiderou a Convenção. “Neste caso não houve qualquer consulta prévia junto às comunidades. O Brasil jás responde na OIT por uma reclamação que apresentamos em função do AST Brasil-EUA [acordo de salvaguardas]. Quando o governo nos nega o direito de consulta, e decide verticalmente sobre as nossas vidas, na prática nos rouba o direito de decidir sobre o nosso futuro. Reproduz, com isso, uma lógica que só encontra paralelo no Brasil Colônia, disse Serejo.
As medidas previstas na resolução contradizem várias declarações públicas de autoridades civis e militares do governo Bolsonaro nos últimos meses. Em 10 de abril de 2019, por exemplo, o ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), um militar da Aeronáutica, disse a uma comissão da Câmara dos Deputados: “Quanto à pergunta sobre se haverá a expansão da área, devo dizer que não. A área estabelecida do centro é aquela já definida. Não existe uma questão de expansão”.
Em maio, a bancada do PSOL na Câmara encaminhou um pedido de esclarecimentos ao ministro. Em resposta, ele reafirmou que “não se pode afirmar que populações locais interessadas serão diretamente afetadas por ele [acordo]”.
Depois que foi revelado, em outubro de 2019, que havia todo um plano de comunicação já montado para convencer as famílias a permitirem as remoções, Pontes de novo compareceu a uma audiência no Congresso, em dezembro. Declarou na ocasião que as famílias seriam ouvidas em 2020 no caso de uma eventual remoção.
Em nota divulgada em outubro, o MCT disse que “a área atual do CLA é suficiente para as operações espaciais previstas para acontecerem após as etapas de aprovação do AST [acordo com os EUA]” pelo Congresso e “a estruturação do modelo de negócios do CLA”.

segunda-feira, 23 de março de 2020

Em tempos do COVD19, a solidariedade é um fator primordial para garantir a sobrevivência de milhares de seres humanos Negros


Por Mônica Aguiar   

Além de todo o cuidado físico necessário, também devemos nos preocupar com os aspectos psíquicos e mentais que o isolamento e a quarentena podem trazer à população, não só individualmente, mas também à coletividade. 
Medos de infecção, frustração, tédio, excessos de informações inadequadas, perdas financeiras, sentimento de abandono, preconceito e discriminação são fatores citados causadores de estresse na população. 
As consequências, confusão metal, raiva, tristeza, ansiedade, solidão, episódios de pânico que podem aumentar à medida que a população se autoisola para evitar o contágio. 

Vários especialistas tem lembrado que a falta de acesso a necessidades básicas e o medo da recessão econômica também são fatores de risco.

Embora seja uma situação de medo justificado, especialistas também afirmam que é possível minimizar os danos à saúde mental com estratégias simples. Manter os vínculos sociais, apesar da distância física, é fundamental. O importante neste momento é cumprir com as orientações para evitar o contágio e proliferação mas também ser solidário e responsável. 

Isto não é uma tarefa difícil.

Convém, urgentemente, diante desse quadro de iminente pandemia, ficarmos atentos com o tratamento que será dado aos nossos idosos negros e crianças negras.

Para as pessoas que tem acesso à tecnologia e, se mantem conectados 24 horas, priorize a divulgações significativas e responsáveis. 
Use mensagens de vídeo para ver e ouvir pessoas importantes e próximas, divulguem textos, aplicativos com palavras de confiança que ajudem a superar este momento.Converse por telefone, crie grupos online, de família, vizinhos e amigos próximos.

Ao buscar informações, muita atenção às fontes oficiais das autoridades sanitárias e tenha cuidado ao compartilhar notícias falsas entre sua rede de contatos. 
Limite a quantidade de notícias relacionadas à pandemia. 
O excesso de notícias alarmantes acabam chegando em pessoas que requer cuidados especiais e que tem problemas sociais e mentais, podendo causar danos irreparáveis, levando até ao suicídio.

Crie uma cadeia de informações positivas, que chegue nas pessoas que estejam vulneráveis socialmente e precisam de ajuda.  

Lembremos que lavar as mãos corretamente e o isolamento social são fundamentais e parece ser uma tarefa simples na prevenção do COVID19, mas na prática, não é fácil, pois 40% da população mundial não tem acesso a água. 

A situação nas escolas se estivessem em aulas seriam alarmantes, 47% das escolas que não possuem um lavatório com água e sabão, o que afeta 900 milhões de crianças em idade escolar. (Pesquisa da Unicef, divulgada em 13 de março).

No Brasil a falta de saneamento básico impacta mais as mulheres.

Na África ao sul do Saara, 63% da população das áreas urbanas, ou 258 milhões de pessoas, não têm como lavar as mãos. Cerca de 47% dos sul-africanos urbanos, equivalente a 18 milhões de pessoas, não possuem instalações básicas para lavar as mãos em casa.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), na média brasileira, 83,5% da população é servida por rede de água e apenas 52,4% tem o esgoto coletado, do qual somente 46% é tratado, são quase 35 milhões de pessoas vivendo sem acesso à água tratada e 100 milhões sem esgoto(Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento em 2018). A maioria são pessoas negras.

As desigualdades sóciorraciais tem colocado historicamente a população pobre em situação vulnerável diante várias epidemias, coloca em maior magnitude nesta pandemia.

O saneamento básico não está ao alcance de muitos moradores de comunidades e bairros nas periferias das cidades brasileiras.
Em milhares dos domicílios brasileiros, o abastecimento de água é intermitente. Faltam condições econômicas para adquirir água para tão orientada e importante desinfecção das mãos e para permanecer em casa. A maioria dos lares brasileiros tem poucos cômodos e abrigam várias pessoas. 

De acordo com a pesquisa nacional por amostra de domicílio continua do IBGE, 71 milhões de lares existentes no Brasil (2018), 45% eram chefiados por mulheres a maioria mulheres negras.

A população brasileira pobre sempre teve saneamento básico precário, pouco acesso à água e quase nenhum equipamento de saúde, tornando difícil o exercício das orientações recomendadas para evitar o contágio e a transmissão do vírus. Não chegamos a citar o custo abusivo do preço do álcool gel.

Todas as cidades devem ter um plano municipal, investimento real em serviços de água, esgotos, lixo e drenagem das águas de chuva. Mas não é realidade da ampla maioria das cidades brasileiras.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como direitos fundamentais a saúde, a moradia digna e o meio ambiente equilibrado, implicando na necessidade de implementação de políticas públicas de saneamento básico.

É responsabilidade do Estado brasileiro (governo federal, estadual e municípios), garantir, condições necessárias para que famílias sem acesso ao saneamento básico tenham condições de se proteger contra o COVID19.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pobreza no Brasil passou de 25,7% para 26,5% da população. O número dos extremamente pobres, aqueles que vivem com menos de R$ 140 mensais, saltou, no período, de 6,6% para 7,4% dos brasileiros.

Dados do Cadastro Único do Ministério da Cidadania mostram que a pobrezas extrema no país aumentaram e já atinge 13,2 milhões de pessoas. 
Nos últimos sete anos, mais de 500 mil pessoas entraram em situação de miséria no Brasil.

O Governo Federal de Jair Bolsonaro e à política econômica tem sofrido diversas críticas por não focar nos programas sociais.  
A falta de reconhecimento e medidas deste Governo para com o quadro de crescimento da pobreza é preocupante.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), feita pelo IBGE, mostrou que no trimestre de novembro-dezembro-janeiro de 2020, o Brasil tinha 24.575 trabalhadores por conta própria e 6.260 trabalhadores domésticos, sendo que destes, 72,18% não tinham carteira assinada.

As propostas do Ministro da economia para reduzir os efeitos econômicos da pandemia não chegará na população desempregada e desalentada.
Mesmo as medidas de antecipação do 13º salário não resolveram os problemas na maioria dos lares onde tem aposentados. 
Além que tal medidas, trará dificuldades econômicas futuramente.

Os impactos diretos na renda mensal com a pandemia do coronavírus afetarão 41,4% da população. 

A responsabilidade é do governo pagar esta fatura, não dos pobres do Brasil!

A situação ainda pode se agravar com o novo marco do saneamento básico, aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal. 
O texto facilita a privatização de empresas públicas de saneamento, na distribuição de água e no esgotamento sanitário.

Como resolver um problema sério e atual de saúde, onde os compromissos com as metas de universalização ao saneamento básico podem ser cumpridas até o fim de 2033?

A pandemia do COVID19 é a afirmação da existência de um apartheid sanitário demarcado pelas práticas do racismo institucional no Brasil.

Milhares de brasileiros não tem condições de ter sabonete em casa. 
A crise econômica e política estalada neste Governo, a falta de saneamento básico em milhares de lares, o alto índice de desemprego, os índices de desalentados, somando com a informalidade, encontram um território aberto para grande contaminação.

Todos os Governos sabiam e conhecem bem a situação econômica e social do povo de seu Estado e do Brasil. 

A falta de responsabilidade política com a ampla maioria da população brasileira declaradamente negra nunca ficou tão evidente.

Qual a medida afirmativa, prepositiva e concreta que os Governos estão apresentando para populações de baixa renda ou sem renda neste tempos de quarentena ao COVD19?

O apartheid social no Brasil será o principal responsável pelas consequências trágicas do COVD19. Ingenuidade pensar que não existe escolhas do grupo social que se contamina e morre com este vírus.

Exemplo já temos:- Cleonice, 63 anos, a segunda morte confirmada no Brasil de coronavírus. Pode ter se contaminada na casa da patroa, no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro. Trabalhou por vinte anos cozinhando. A patroa teve que ficar de quarentena ao chegar da Itália.

Diante tantos descasos e demora em ações efetivas e preventivas ao COVID19, surgem as ações de solidariedade por parte da sociedade em prol às famílias desalentadas, desprovidas de acesso aos recursos materiais. 
Olhando, cuidando dos lírios de nossos Campos: - Lírios negros, a maioria mulheres negras e chefe de família.

Dentro do objetivo de chamar atenção para esse cenário de descaso por parte dos governantes, várias lideranças comunitárias e moradores estão publicando relatos nas redes sociais com a hashtag #Covid19nasFavelas, que ficou entre os tópicos mais compartilhados do país.
Muitos deles partiram de comunidades do Rio de Janeiro, que sofrem com a escassez de água. O estado é o segundo em número de casos no Brasil e enfrentou recentemente uma crise hídrica.

O Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra, em parceria com a Associação de Medicina de Família e Comunidade do Rio de Janeiro (AMFaC-RJ) e apoio da SBMFC, lançou guia com orientações para prevenção do coronavírus (Covid – 19) para a população das periferias e comunidades. 

O Ministério Público Federal, via Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), solicitou ao Ministério da Saúde que apresente um planejamento prioritário para o atendimento a favelas e periferias das cidades brasileiras no contexto do combate ao novo coronavírus. Protocolado na quinta-feira 19/3, o pedido estabelece prazo de cinco dias para a resposta.

 “O quadro estrutural de desigualdade existente na sociedade brasileira não pode ser potencializado em momentos de pandemia, o que significa dizer que grupos historicamente subalternizados devem merecer atenção prioritária, uma vez que já estão, especialmente em termos de saúde pública, em situação de desvantagem em relação ao restante da coletividade nacional”. O pedido de informações é assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.(Fonte MPF)

Fontes: MPF/Senado/ Brasil de Fato/Theintercept/IBGE/Geledés/Cartacapital

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