Por Mônica Aguiar
Foto: Mônica Aguiar e sua filha Jessica Carolina |
As variáveis existentes nas práticas racistas representam um grave obstáculo ao exercício de cidadania, perpetuam desigualdade, promovendo prioritariamente a exclusão e o não acesso aos direitos fundamentais às mulheres negras.
Vários estudos e pesquisas apontam ser o principal alvo de
violências e discriminações, tanto no ambiente público quanto no privado a falta de condições financeiras.
“Dados do Sistema de
Informação de Agravos de Notificação (SINAN), base alimentada por registros de
doenças de notificação compulsória ao Sistema Único de Saúde (SUS), apontam que
em 2022 mais da metade (55%) das brasileiras vítimas de violência eram negras.
Já entre as vítimas de violência sexual, as pretas e pardas foram 62% e as
assassinadas, 67%”.
Estudos recentes, também apontam que as desigualdades salariais
produzem situações de desigualdades tanto para mulher negra quanto para seus
dependentes.
“A dependência financeira dificulta a ruptura desse ciclo de abuso e limita as possibilidades de busca por proteção, de acesso ao serviço de apoio e até mesmo de deixar esse ambiente violento”. ( Milene Tomoike, em entrevista à Agencia senado).
Eu digo o seguinte: que a vulnerabilidade
econômica é um dos muitos fatores que podem contribuir para a violência
doméstica de gênero, mas não é o único nem necessariamente o mais determinante.
Questões como desigualdade de gênero, normas morais e religiosas, abuso de
substâncias e histórico de violência familiar também desempenham papéis
significativos.
A dependência financeira, no entanto, torna mais
difícil para as vítimas deixarem situações abusivas, reforçando a dinâmica de
poder do agressor. O estresse gerado por dificuldades financeiras
nos lares de famílias negras pode exacerbar comportamentos agressivos em
indivíduos já predispostos à violência.
Portanto, é crucial adotar abordagens multifacetadas que
considerem todos esses fatores ao abordar e prevenir a violência doméstica de
gênero.
As dificuldades de acesso aos serviços de proteção para
mulheres em situação de violência é um problema persistente e, frequentemente impede a interrupção do ciclo de violência.
Muitas vezes, essas barreiras são resultantes de uma
combinação de fatores, incluindo a falta de informações claras sobre os
serviços disponíveis, a localização geográfica, centralidade dos locais de proteção, a insuficiência de
recursos, e o medo de represálias.
Além disso, este formato tradicional de proteção, que pode
incluir abrigos temporários e medidas legais, demonstra que não atendem às
necessidades individuais, principalmente das mulheres negras.
É urgente mudar este modelo de proteção. É preciso que
seja mais inclusivo, adaptáveis e, que considerem as particularidades de cada
caso, oferecendo suporte contínuo e
abrangente.
Para isso é preciso incluir serviços de apoio psicológico, acompanhamento
jurídico e de saúde, encaminhamento correto aos programas de reintegração social, trabalho e acesso
à habitação. Capacitar plenamente as mulheres a reconstruir suas vidas longe de
quem pratica a violência.
A falta de assistência por parte do Estado, os padrões discriminatórios existentes no atendimento e "acolhimento" ao buscar serviços, e o
imaginário de que a mulher negra é forte e suporta tudo, são questões
profundamente enraizadas que impactam negativamente a vida das mulheres negras.
Essas problemáticas refletem desigualdades históricas e
estruturais que perpetuam a exclusão e criam marginalização.
O mito da força sobre-humana da mulher negra não apenas
desumaniza, mas também invisibiliza suas necessidades e vulnerabilidades,
resultando em uma assistência inadequada e muitas vezes negligentes.
Para enfrentar essas questões, é essencial promover políticas
públicas inclusivas e sensíveis que reconheçam e respeitem a diversidades e
fatores sociais e territoriais, além de desconstruir estigmas e preconceitos
através da educação e do diálogo aberto na sociedade.
Para que a democracia e a cidadania sejam verdadeiramente
inclusivas, é essencial que enfrentem o racismo de maneira decidida e
abrangente. Isso inclui a implementação de políticas públicas que e assegurem o
respeito e reconhecimento dos direitos humanos de todas as mulheres negras.
Essas políticas devem focar em áreas como educação, saúde,
habitação e mercado de trabalho, garantindo que todas as mulheres negras tenham
acesso igualitário aos recursos e oportunidades.
Além disso, é importante fomentar a representatividade em
espaços de poder e decisão, para que as vozes e experiências das mulheres
negras sejam ouvidas e valorizadas.
Já o discurso que atribui a responsabilidade da ausência e dos descasos exclusivamente às estruturas pode ser problemático, pois desvia o foco das ações e decisões políticas que moldam essas mesmas estruturas.
Estruturas sociais e econômicas são, de fato, influenciadas e muitas vezes criadas pela vontade política daqueles que estão no poder.
Assim, quando se diz que algo é
"estrutural", há o risco de se isentar de responsabilidade aqueles
que têm o poder de promover mudanças significativas.
É crucial reconhecer que a transformação dessas estruturas requer comprometimento político e econômico, especialmente no que se refere à justiça social e à equidade racial.
Portanto, ao abordar questões que afetam as mulheres negras, é fundamental
cobrar responsabilidade daqueles que têm o poder de decisão, promovendo
políticas que visem à desconstrução de desigualdades e à promoção as
reparações.
A promoção da consciência social e a educação sobre a
história e contribuições das mulheres negras são fundamentais para desmantelar
preconceitos e construir uma sociedade mais justa e equitativa.
Fonte de dados: Agência Senado/ Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher Negra, 10ª edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, desenvolvida em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência do Senado.
QUEM É MÔNICA AGUIAR é escritora, jornalista, feminista negra e ativista brasileira. Conhecida por seu blog "Mulher Negra", onde aborda temas como: - Feminismo negro; racismo e discriminação; identidade negra; cultura afro-brasileira; direitos das mulheres negras. Sua trajetória está marcada na representação política partidária, sindical, nos movimentos de mulheres e mulheres negras, além de várias conquistas e feitos em Minas Gerais.
Jornalista de profissão, tem larga experiência em veículos de comunicação. É escritora de obras como "Mulheres Negras: Histórias e Resistência" e "Cadernos de Literatura Negra", Ativista do Movimento Negro e Feminismo Negro, palestra em eventos sobre racismo, gênero e educação.
Criadora do blog "Mulher Negra" que se tornou um espaço para compartilhar histórias, experiências e reflexões sobre a vida das mulheres negras. O Blog Mulher negra é reconhecido como um dos principais blogs de feminismo negro no Brasil. Mônica Aguiar é uma voz importante na luta contra o racismo e pela igualdade de gênero no Brasil.