terça-feira, 29 de março de 2022

Ativista Lúcia Xavier, discursa na 49ª Seção do Conselho de Direitos Humanos da ONU

 
    Por Mônica Aguiar 

Com o objetivo de denunciar o racismo e as condições da população negra no país, principalmente das mulheres negras a ativista negra Lúcia Xavier, participou da 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) nesta segunda-feira (28). Este ano, o 21 de março teve como tema, "Vozes para a Ação Contra o Racismo”. A ONU apontou a continuação do racismo como “um motor de desigualdade persistente”.

FOTO:ARQUIVO PESSOAL LÚCIA XAVIER 
 A agenda  teve formato on-line e seu objetivo foi celebrar o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.  Michelle Bachelet, Alta Comissária para os Direitos Humanos esteve presente na abertura.  

Conforme divulgado no site da ONG CRIOLA  onde Lúcia Xavier é Coordenadora geral, participaram também as ativistas :  Manjusha P. Kulkarni (EUA), May Kluk (África do Sul) e Joshua Castellino (Inglaterra).

Como Xavier falou durante a abertura do evento, a transmissão foi gravada e está disponível no site https://media.un.org/en/webtv a partir do minuto 40. 

Deixarei aqui publicado no final o discurso.

Lúcia Xavier é uma das maiores referências na luta em defesa das mulheres e meninas negras: direitos sexuais e reprodutivos, autonomia sobre os corpos e, em defesa das vidas no Brasil.  

"O momento é propício para uma chamada global contra o racismo. Acredita que seja um momento propício para cobrar em seu discurso que os países que integram a ONU retomem compromissos como os resultados da Conferência de Durban —assembleia da ONU que ocorreu em 2001 na África do Sul e estabeleceu a Declaração e Programa de Ação de Durban, documentos que instituem ações para combater as formas de racismo e discriminação racial. diz a ativista Xavier ao Universa” .

(A razão da baixa representatividade das mulheres negras na política está em questões estruturais da nossa sociedade: machismo e racismo. Antes de tudo, as mulheres negras precisam lutar para sobreviver. De acordo com o Atlas da Violência de 2019, 66% de todas as mulheres assassinadas no país naquele ano eram negras. Além disso, 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza, de acordo com a última Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE. Uma vez garantida a vida e superada a miséria, os desafios continuam. Apesar de, pela primeira vez, os negros serem maioria nas universidades públicas, como aponta a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil do IBGE, mulheres negras ainda recebem menos da metade do salário dos homens brancos no Brasil. OXFAMBrasil . )

Confira abaixo a íntegra do discurso de Lúcia Xavier.(CRIOLA)

Prezado Sr. Federico Villegas, Presidente do Conselho de Direitos Humanos

Prazada Sra. Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos

Prezados e Prezadas Painelistas, ativistas contra o racismo, à discriminação racial, xenofobia e formas correlatas de intolerância

É com muito prazer que participo deste painel promovido pelo Conselho de Direitos Humanos que comemora o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, cujo tema trata dos esforços de milhares de pessoas que agem contra o racismo no mundo.

O momento é propício para uma chamada global contra o racismo, a discriminação racial, xenofobia e todas as formas de intolerância porque desde a morte de George Floyd, em 2020, milhares de pessoas gritam por justiça, contra as práticas de aniquilamento, mas elas não são ouvidas.

A morte de George Floyd denunciou a forma sistêmica de atuação racista dos estados democráticos contra os afrodescendentes, contrariando os tratados e normas constituídas em consenso para a implementação de direitos humanos. A justificativa que levou a morte George Floyd também faz milhares de vítimas em nome do bem comum e da segurança de nossas elites em todas as partes do mundo. E gerou uma onda de protestos pelo mundo contra a violência racial, a exemplo da campanha Vidas Negras Importam.

Essa tragédia deixou nítido que o racismo tem sido um fator preponderante para definir os modos de nascer, viver e morrer da população negra. E é preciso interromper essa destino.

O Brasil é o segundo país de maior concentração de afrodescendentes fora do continente africano. Com uma população de 214,8 milhões de habitantes, destes, 54% é afrodescendente. No entanto, as condições de vida e de cidadania são profundamente precárias.

No Brasil, mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza e correspondem a 63% das chefes de família com renda de até US$ 87 mensais, representando quase  8 milhões de brasileiras.

Só em 2021, foram assassinadas 41 mil pessoas, três mil a menos que em 2020, ano do auge da pandemia do novo coronavírus. Dessas, 77% eram afrodescendentes. As mortes cotidianas gritam pedindo justiça e demonstram que não temos paz e nem a certeza de que teremos um futuro.

A violência e as desigualdades raciais contra afrodescendentes em meu país impedem o desenvolvimento de uma vida digna, a contribuição dessa população na tomada de decisão no país e ainda condena futuras gerações à morte.

É preciso atuar contra os efeitos deletérios do racismo em todas as suas  dimensões, enfrentando as desigualdades raciais, erradicando o racismo nas instituições públicas e privadas, que geram discriminação, violência e  encarceramento em massa, bem como impedem o acesso à justiça e à reparação dos seus direitos violados.

O silenciamento e a invisibilidade dos graves problemas que afetam a população negra, em especial as mulheres negras, amplificam a violação e põem fim na credibilidade aos Direitos Humanos como um modelo possível para a solução de  problemas sistêmicos que geram morte para uns e riquezas para outros.

Para isso, é preciso retomar os compromissos assumidos pelos Estados-membros das Nações Unidas para a erradicação do racismo, da discriminação racial, da xenofobia e das formas correlatas de intolerância, a partir dos resultados da III Conferência contra o Racismo ocorrida em Durban, na África do Sul (2001).

Os resultados desta Conferência possibilitaram a implementação de novas políticas para a ampliação dos direitos de afrodescendentes, sobretudo no Brasil, a exemplo da política de cotas no ensino superior; da política de equidade em saúde, política de combate a fome; da obrigatoriedade do ensino da história da África e de afrodescendentes, bem como dos povos indígenas; da adoção do Estatuto da Igualdade Racial (2010); da adoção da Convenção Interamericana contra o Racismo, da Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (2013), ratificada pelo Brasil em 2021. A convenção, fruto da Conferência Regional das Américas, em Santiago, no Chile, em 2000, preparatória à III Conferência Mundial contra o Racismo, revela a possibilidade de ampliação dos direitos e também demarca a presença das mulheres negras brasileiras como protagonistas dos resultados alcançados nessa fase.

Ainda temos muito o que fazer, senhoras e senhores. Os avanços nos sistemas legislativos têm ampliado os instrumentos de defesa contra o racismo, mas eles não são suficientes para erradicá-lo ou estancar a morte social e física que produz.

É preciso reagir removendo essas barreiras nas instituições públicas e privadas, que impedem a participação de afrodescendentes nos espaços de decisão política em plena condição de igualdade, ampliando, assim, a possibilidade de construção de mecanismos que possam levar a equidade, à plena capacidade politica e a vida em segurança e com direitos.

É preciso fortalecer a sociedade civil, sobretudo as organizações e lideranças que lutam por direitos humanos, para que possam ampliar as suas vozes contra a violência e o autoritarismo. Pois, a participação dos grupos excluídos na solução dos problemas é fundamental para a erradicação das desigualdades e das múltiplas discriminações.

E por fim, sinalizo que é preciso também fortalecer agendas nacionais, regionais e global contra o racismo e as múltiplas formas agravadas de discriminação, a exemplo do sexismo, das LGBTQIA+fobias, considerado os compromissos assumidos na Declaração e Plano de Ação de Durban como mecanismos impulsionadores de políticas, legislações e normas que poderão promover todos os direitos para que africanos e afrodescendentes alcancem a plena igualdade.

Para nós, urge a mudança do padrão de civilidade que permita a constituição de uma experiência humana sem racismo, sem violência e pelo Bem Viver.

Muito obrigada!

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