Por Mônica Aguiar
Com o objetivo de denunciar o racismo e as condições da população negra no país, principalmente das mulheres negras a ativista negra Lúcia Xavier, participou da 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) nesta segunda-feira (28). Este ano, o 21 de março teve como tema, "Vozes para a Ação Contra o Racismo”. A ONU apontou a continuação do racismo como “um motor de desigualdade persistente”.
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FOTO:ARQUIVO PESSOAL LÚCIA XAVIER |
Conforme divulgado no site da ONG CRIOLA onde Lúcia Xavier
é Coordenadora geral, participaram também as ativistas : Manjusha P. Kulkarni (EUA), May Kluk (África
do Sul) e Joshua Castellino (Inglaterra).
Como Xavier falou durante a abertura do evento, a transmissão foi gravada e está disponível no site https://media.un.org/en/webtv a partir do minuto 40.
Deixarei aqui publicado no final o discurso.
Lúcia Xavier é uma das maiores referências na luta em defesa das mulheres e meninas negras: direitos sexuais e reprodutivos, autonomia sobre os corpos e, em defesa das vidas no Brasil.
"O momento é propício para uma chamada global contra
o racismo. Acredita que seja um momento propício para cobrar em seu discurso
que os países que integram a ONU retomem compromissos como os resultados da
Conferência de Durban —assembleia da ONU que ocorreu em 2001 na África do Sul e
estabeleceu a Declaração e Programa de Ação de Durban, documentos que instituem
ações para combater as formas de racismo e discriminação racial. diz a ativista
Xavier ao Universa” .
(A razão da baixa representatividade
das mulheres negras na política está em questões estruturais da nossa
sociedade: machismo e racismo. Antes de tudo, as mulheres negras
precisam lutar para sobreviver. De acordo com o Atlas da Violência de 2019, 66% de todas as mulheres
assassinadas no país naquele ano eram negras. Além disso, 63% das casas
chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza, de acordo com a
última Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE. Uma
vez garantida a vida e superada a miséria, os desafios continuam. Apesar de,
pela primeira vez, os negros serem maioria nas universidades públicas, como
aponta a pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil do
IBGE, mulheres negras ainda recebem menos da metade do salário dos
homens brancos no Brasil. OXFAMBrasil . )
Confira abaixo a íntegra do discurso de Lúcia Xavier.(CRIOLA)
Prezado Sr. Federico Villegas, Presidente do Conselho de
Direitos Humanos
Prazada Sra. Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações
Unidas para os Direitos Humanos
Prezados e Prezadas Painelistas, ativistas contra o racismo,
à discriminação racial, xenofobia e formas correlatas de intolerância
É com muito prazer que participo deste painel promovido pelo
Conselho de Direitos Humanos que comemora o Dia Internacional para a Eliminação
da Discriminação Racial, cujo tema trata dos esforços de milhares de pessoas
que agem contra o racismo no mundo.
O momento é propício para uma chamada global contra o
racismo, a discriminação racial, xenofobia e todas as formas de intolerância
porque desde a morte de George Floyd, em 2020, milhares de pessoas gritam por
justiça, contra as práticas de aniquilamento, mas elas não são ouvidas.
A morte de George Floyd denunciou a forma sistêmica de
atuação racista dos estados democráticos contra os afrodescendentes,
contrariando os tratados e normas constituídas em consenso para a implementação
de direitos humanos. A justificativa que levou a morte George Floyd também faz
milhares de vítimas em nome do bem comum e da segurança de nossas elites em
todas as partes do mundo. E gerou uma onda de protestos pelo mundo contra a
violência racial, a exemplo da campanha Vidas Negras Importam.
Essa tragédia deixou nítido que o racismo tem sido um fator
preponderante para definir os modos de nascer, viver e morrer da população
negra. E é preciso interromper essa destino.
O Brasil é o segundo país de maior concentração de
afrodescendentes fora do continente africano. Com uma população de 214,8
milhões de habitantes, destes, 54% é afrodescendente. No entanto, as condições
de vida e de cidadania são profundamente precárias.
No Brasil, mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza e
correspondem a 63% das chefes de família com renda de até US$ 87 mensais,
representando quase 8 milhões de brasileiras.
Só em 2021, foram assassinadas 41 mil pessoas, três mil a
menos que em 2020, ano do auge da pandemia do novo coronavírus. Dessas, 77%
eram afrodescendentes. As mortes cotidianas gritam pedindo justiça e demonstram
que não temos paz e nem a certeza de que teremos um futuro.
A violência e as desigualdades raciais contra
afrodescendentes em meu país impedem o desenvolvimento de uma vida digna, a
contribuição dessa população na tomada de decisão no país e ainda condena futuras
gerações à morte.
É preciso atuar contra os efeitos deletérios do racismo em
todas as suas dimensões, enfrentando as desigualdades raciais,
erradicando o racismo nas instituições públicas e privadas, que geram
discriminação, violência e encarceramento em massa, bem como impedem o
acesso à justiça e à reparação dos seus direitos violados.
O silenciamento e a invisibilidade dos graves problemas que
afetam a população negra, em especial as mulheres negras, amplificam a violação
e põem fim na credibilidade aos Direitos Humanos como um modelo possível para a
solução de problemas sistêmicos que geram morte para uns e riquezas para
outros.
Para isso, é preciso retomar os compromissos assumidos pelos
Estados-membros das Nações Unidas para a erradicação do racismo, da
discriminação racial, da xenofobia e das formas correlatas de intolerância, a
partir dos resultados da III Conferência contra o Racismo ocorrida em Durban,
na África do Sul (2001).
Os resultados desta Conferência possibilitaram a
implementação de novas políticas para a ampliação dos direitos de
afrodescendentes, sobretudo no Brasil, a exemplo da política de cotas no ensino
superior; da política de equidade em saúde, política de combate a fome; da
obrigatoriedade do ensino da história da África e de afrodescendentes, bem como
dos povos indígenas; da adoção do Estatuto da Igualdade Racial (2010); da
adoção da Convenção Interamericana contra o Racismo, da Discriminação Racial e
Formas Correlatas de Intolerância (2013), ratificada pelo Brasil em 2021. A
convenção, fruto da Conferência Regional das Américas, em Santiago, no Chile,
em 2000, preparatória à III Conferência Mundial contra o Racismo, revela a
possibilidade de ampliação dos direitos e também demarca a presença das
mulheres negras brasileiras como protagonistas dos resultados alcançados nessa
fase.
Ainda temos muito o que fazer, senhoras e senhores. Os
avanços nos sistemas legislativos têm ampliado os instrumentos de defesa contra
o racismo, mas eles não são suficientes para erradicá-lo ou estancar a morte
social e física que produz.
É preciso reagir removendo essas barreiras nas instituições
públicas e privadas, que impedem a participação de afrodescendentes nos espaços
de decisão política em plena condição de igualdade, ampliando, assim, a possibilidade
de construção de mecanismos que possam levar a equidade, à plena capacidade
politica e a vida em segurança e com direitos.
É preciso fortalecer a sociedade civil, sobretudo as
organizações e lideranças que lutam por direitos humanos, para que possam
ampliar as suas vozes contra a violência e o autoritarismo. Pois, a
participação dos grupos excluídos na solução dos problemas é fundamental para a
erradicação das desigualdades e das múltiplas discriminações.
E por fim, sinalizo que é preciso também fortalecer agendas
nacionais, regionais e global contra o racismo e as múltiplas formas agravadas
de discriminação, a exemplo do sexismo, das LGBTQIA+fobias, considerado os
compromissos assumidos na Declaração e Plano de Ação de Durban como mecanismos
impulsionadores de políticas, legislações e normas que poderão promover todos
os direitos para que africanos e afrodescendentes alcancem a plena igualdade.
Para nós, urge a mudança do padrão de civilidade que permita
a constituição de uma experiência humana sem racismo, sem violência e pelo Bem
Viver.
Muito obrigada!
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