terça-feira, 30 de junho de 2020

Negligência com a saúde reprodutiva das mulheres na pandemia é injustificável


Negar serviços de saúde essenciais para as mulheres durante a pandemia

 discrimina, viola direitos e custa vidas.

Por Beatriz Galli 


A ausência de respostas eficazes por parte do governo, além de suas dimensões continentais, fez do Brasil o epicentro da pandemia de covid-19 na América Latina. Não existe um plano de contingência integrado para enfrentar a doença, e cada estado implementou suas próprias regras de confinamento ou isolamento social. Essa resposta caótica à gravidade da pandemia já custou milhares de vidas.

No Brasil, o governo apela ao negacionismo irresponsável em relação à pandemia. A falta de estratégia nacional coordenada contribui para o aumento dos casos e a crise do sistema público de saúde. Nesse cenário, não se priorizam as necessidades de saúde de mulheres, adolescentes e gestantes nas ações de prevenção e resposta à crise sanitária.

Diante da pandemia, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e os órgãos internacionais de proteção de direitos humanos solicitaram aos governos que garantam o acesso aos serviços essenciais de saúde, que incluem os serviços de saúde sexual e reprodutiva. Tais serviços incluem o acesso à informação, contracepção, contracepção de emergência, pré-natal, parto, aborto seguro nos casos previstos em lei e atenção pós-aborto.

A omissão dos estados em garantir o acesso oportuno e contínuo a esses serviços tem impacto devastador na vida e na saúde das pessoas. Um estudo com estimativas sobre a possível restrição ao acesso a tais serviços durante a pandemia aponta para um cenário dramático: em países de renda baixa e média, a redução de 10% nestes serviços pode resultar em cerca de 15 milhões de gestações indesejadas, 3,3 milhões de abortos inseguros e 29.000 mortes maternas adicionais durante os próximos 12 meses. Em um contexto de isolamento social, o risco de gravidez indesejada aumenta devido àviolência doméstica e à dificuldade no acesso aos serviços de aborto legal para mulheres e adolescentes.

Em meio à pandemia do novo coronavírus, Ministério da Saúde precariza serviços de saúde reprodutiva no País e ignora recomendações da OMS.

As barreiras sistêmicas persistem sem qualquer sinal de reversão, aumentando os riscos de morte por aborto inseguro durante a pandemia, particularmente para mulheres negras — residentes das áreas urbanas mais periféricas ou áreas rurais remotas —, mulheres migrantes e as jovens.

Os dados nacionais sobre o acesso e a qualidade da assistência para esses grupos populacionais são escassos. Entre 27 de abril e 4 de maio deste ano, a Artigo 19 e o site AzMina entraram em contato por telefone com os 76 hospitais que realizam a interrupção legal de gravidez, identificados em 2019 pelo Mapa do Aborto Legal. Apenas pouco mais da metade (55%) reportaram manter o serviço.

Em plena crise, a preocupação com a precarização ainda maior das políticas públicas de saúde sexual e reprodutiva aumentou com a nomeação do médico Raphael Câmara Medeiros Parente no último dia 23 de junho para a Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde. Ele é conhecido por sua postura contrária aos direitos sexuais e reprodutivos. Tal fato acontece após o Ministério da Saúde vir a público em 4 de junho para suspender nota técnica elaborada pela Coordenação de Saúde da Mulher (COSMU/SAPS).

O documento sistematizava legislação vigente sobre o acesso a serviços essenciais de saúde sexual e reprodutiva e orientava profissionais das unidades de saúde em relação à oferta de métodos anticonceptivos, realização do pré-natal e parto e assistência nos casos de aborto previsto em lei durante o momento atual, em pleno acordo com os padrões estabelecidos pela OMS. Posteriormente, o ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, exonerou gestores e suspendeu contratos de técnicas que trabalharam na elaboração da nota.

Felizmente, no âmbito de alguns estados têm sido adotadas notas técnicas que orientam para o acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, como, por exemplo, a Nota Técnica 0301-04-2020 sobre Manejo do Ciclo Gravídico Puerperal e Lactação Covid-19 elaborada pela Secretaria de Saúde de São Paulo. A nota tem como objetivo “reduzir o número de gravidez não planejada e eliminar a violência contra as mulheres” e estabelece que “as unidades que realizam atendimento nas situações de violência sexual devem mantê-lo, inclusive às que realizam o aborto legal”.

Nada justifica a negligência estatal e o desmonte dos serviços de saúde reprodutiva, incluindo os serviços de aborto legal, ainda mais durante uma crise sanitária de dimensão planetária como a pandemia da covid-19. Ao ignorar as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, o governo discrimina as mulheres e viola direitos fundamentais, sendo diretamente responsável pelos riscos e consequências para a vida das mulheres e gestantes.

Fonte: Huffpostbrasil

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