Por Luísa Abbott Galvão*
Neste sábado, participei durante
nove horas em Washington da maior manifestação na história dos EUA. No dia
seguinte, acordei me perguntando: e agora?
Especialistas estimam que entre
3,6 e 4,5 milhões de pessoas participaram das marchas realizadas nos 50 estados
do país. Eventos de solidariedade foram realizados em mais de 70 outros países,
do Brasil a Antártica. A marcha foi motivada tanto por uma rejeição do
Presidente Trump e o conservadorismo que ele representa, como pela necessidade
reconhecida de lidarmos de uma vez por todas com o atraso gritante em nossa
sociedades em relação a questão de gênero.
A ideia da marcha surgiu na noite
da derrota de Hillary Clinton para Donald Trump. Clinton ganhou o voto popular
por quase 3 milhões de votos, mas perdeu no Colégio Eleitoral e não pôde
comemorar a quebra do “teto de vidro” no centro de convenções de vidro que
tinha escolhido em Nova Iorque. A campanha de Trump tirou do armário e empoderou
os preconceituosos conservadores do país, supostamente abafados pelos
“politicamente corretos”, e desencadeou a manifestação aberta e vocal de todo
tipo de preconceito – machismo, racismo, homofobia, xenofobia, e preconceito
contra pessoas portadoras de necessidades especiais. Mas o gigante só acordou
mesmo com o vazamento de uma gravação no qual Trump promovia o assédio sexual,
dizendo que se pode “pegar mulheres pela buceta” (“grab them by the pussy”).
Isso ofendeu as sensibilidades e os “valores familiares” até dos republicanos.
A ideia da marcha foi alvo de
críticas no início por ter surgido de mulheres brancas, promovido uma falsa
universalidade feminista, e por ter se apropriado do nome de uma marcha
organizada por mulheres negras no final dos anos 90, a “Million Woman
March”. Preocupadas em fazer uma marcha inclusiva e interseccional, as
organizadoras mudaram o nome e contrataram três ativistas para liderar a
organização: uma afro-descendente, uma latina e uma muçulmana. Muitos reiteraram
a ironia desse feminismo branco quando as mulheres brancas nos EUA votaram em
sua maioria pelo Trump, enquanto 94% das mulheres afro-descendentes votaram
pela Hillary.
A marcha também foi inicialmente
criticada por não ter uma lista de demandas ou reivindicações. Porém, uma
semana antes do evento, as organizadoras lançaram uma plataforma ultra
progressista de quatro páginas, com reivindicações abrangentes, clamando pela
igualdade de remuneração e licença maternidade, pelo fim da violência contra as
mulheres, pelo fim do encarceramento em massa, pela combate a mudanças
climáticas, pelos direitos dos profissionais do sexo, trabalhadores agrícolas e
domésticos, pelos direitos LGBTQIA, pela desmilitarização da polícia, pelos
direitos reprodutivos, e contra a deportação de imigrantes, e a favor dos
refugiados, povos indígenas, dos movimentos Black Lives Matter e dos Occupy
Wall Street.
O tema principal da marcha foi
“pussy,” palavra que tem um duplo significado em inglês: gato (“pussy
cat”), e uma expressão pejorativa para vagina. Fotos mostram
um mar de mulheres com chapéus cor-de-rosa com duas pontinhas, mulheres se
re-apropriando da palavra, com afirmações criativas de “pussy power”
(poder da buceta), e “pussy grabs back!” (“buceta pega de volta!”) em resposta
ao comentário machista do Trump e contra a cultura de estupro. Vi cartazes e
ouvi palavras de ordem de “rapist in chief” (chefe de estupradores), uma
trocadilha com o título do presidente “commander in chief” (comandante chefe).
Qual será o significado dessa
insurreição histórica?
Uma das primeiras ações do
governo Trump foi apagar as páginas de LGBT, mudanças climáticas, e dos povos
indígenas do site do governo, bem como todas as páginas em espanhol, e
anunciar cortes aos programas de violência contra as mulheres do Departamento
de Justiça.
Uma coisa é certa: essas
manifestações ativaram muitas pessoas pela primeira vez. Mas todos reconhecem
que a defensiva precisará de mais do que isso. Desde a derrota de Clinton,
milhares de mulheres tem se candidatado para todos os níveis de governo nos
EUA, assumindo responsabilidade para reverterem a falta de representação
política nas instituições. Vamos torcer para que a indignação se converta em
mudanças – e votos.
*Luísa é ativista e feminista
brasileira e americana
AGORAÉQUESÃOELAS Folha UOL
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