sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Mulheres Negras na Faixa de 50 anos Serão Destaque no Carro da Estácio que Pauta a Inclusão dos Negros

RIO DE JANEIRO - Um carro pautado na inclusão dos negros em festas católicas no Brasil vai trazer 12 mulheres na faixa dos 50 anos como destaques do enredo “Salve Jorge! O guerreiro da fé!”, no desfile da Estácio de Sá. 

Engana-se quem pensa que elas entrarão na Avenida com o corpo pintado ou à mostra. 
A intenção dos carnavalescos Chico Spinoza, Tarcísio Zanon e Amauri Santos é destacar a beleza e a plenitude de cada uma delas em uma faixa etária em que não ganham mais destaque na passarela.

A alegoria “São Jorge em Terras Brasileiras”, que entrará na Avenida com 22 metros de comprimento e 13 metros de altura, foi desenvolvida na intenção de retratar o papel do santo da Capadócia na entrada dos escravos na procissão de Corpus Christi. De acordo com Tarcísio Zanon, Dom João VI escreveu uma carta permitindo a participação dos negros que pertenciam à Irmandade de São Jorge na festa cristã.

A professora do Departamento de História da UFRJ e autora do livro “O Corpo de Deus na América: a festa de Corpus Christi nas cidades da América portuguesa” (Editora Annablume, 2005), Beatriz Catão, afirma não ter conhecimento da carta e diz que a inserção dos negros na procissão é difícil de ser datada.

- Uma representação de negros costumava vir à frente da procissão desde tempos muito remotos. Digo representação, por que nem sempre eram efetivamente negros, mas costumam ser assim representados por músicos, como por exemplo nas aquarelas de Debret do século XIX - comenta ela.

Para o trio responsável pelo enredo, no entanto, a presença das mulheres, todas negras e convidadas especiais de Chico Espinoza, foi idealizada para representar este momento.

- Sou da opinião que as mulheres, depois de uma certa idade, ficam plenas, no momento máximo da beleza. E eu tinha essas mulheres, que já desfilaram comigo anos atrás. 
São mulheres que você não tem que usar o corpo para elas serem algo, elas são negras, lindas e poderosas. 
Precisava da experiência delas para esse enredo e tenho certeza que é a força delas que vai me dar a realidade que eu preciso - coloca ele.

As 12 “mulheres de Chico” são veteranas no meio artístico ou do carnaval. Algumas delas estão retornando à Avenida depois de muitos anos sem participar do desfile. É o caso da ex-modelo Veluma, 62, que ganhou as passarelas internacionais nos anos 1970 e se consagrou como a primeira modelo negra a se destacar no exterior. 

Há doze anos longe da folia profana e próxima do que é sagrado, através do misticismo e de uma devoção a São Jorge herdada da mãe, ela vê esse retorno como uma chance de revisitar as sensações da juventude.

- Todo aquele êxtase volta, aquele frio na barriga. É uma forma de mostrar que o artista não está morto. O carro mostra que estamos inteiras, somos mulheres e temos o corpo bonito - afirma Veluma.

Mônica Santos, 45, é bailarina e está de volta ao carnaval depois de 13 anos. Para ela, o retorno para a Avenida significa a valorização da mulher como um todo:

- O Chico nos valoriza pelo que sabemos interpretar e pela beleza, mas dizendo que continuamos lindas mesmo sem estar com o corpo definido.

O figurino delas representa a participação dos negros nas celebrações católicas, realçando a mistura cultural do Brasil e o sincretismo religioso, uma vez que São Jorge foi incorporado ao Candomblé na figura de Ogum. As vestimentas terão a modelagem europeia do século XIX combinada com a estamparia africana. 

A atriz, jornalista e ex-jogadora de vôlei Lica Oliveira, 51, enxerga nesse contexto a oportunidade de se discutir a história dos negros no Brasil e na África.

- Estamos vivendo um momento de valorização de autoestima do povo negro e das mulheres negras, principalmente.
A mulher negra é a base da pirâmide da sociedade brasileira. Vejo a nossa representatividade nesse carro como referência. Temos um trabalho árduo no sentido de difundir a matriz africana. Estamos cansados de de ouvir a história que escreveram sobre a gente, queremos contar a nossa versão. É o nós por nós - avalia ela.

Nascida em Salvador e moradora do Rio de Janeiro, a cantora Daúde, 52, identifica no carro referências da sua história e da sua formação musical. O desfile, para ela, tem um significado que vai além da representação histórica pura e simplesmente.
- A sensação de estar em cima desse carro tem o significado da palavra altivez, mas sem estar ligada à arrogância. É dignidade.

Um carnaval sem “peladonas”

Este ano, o culto ao corpo perfeito e a exaltação ao nu, tão presentes no carnaval, não entrarão no desfile da Estácio. O carnavalesco Chico Feitoza optou por adequar as fantasias ao enredo “Salve Jorge! O Guerreiro da Fé!”.

- Eu acho que esse enredo, especificamente, pede a mulher vestida. Não é enredo para colocar a nudez. Eu preciso da cara, da experiência que as mulheres têm. Prefiro ter a Estácio vestida do que uma mulher pintada na avenida.

O enredo em homenagem a São Jorge rendeu à Estácio uma conquista importante: depois de reprimir diversos desfiles que traziam figuras cristãs para a festa pagã, a Arquidiocese do Rio de Janeiro deu total apoio ao desfile da escola. 

Para o carnavalesco Tarcísio Zanon, é a segunda vez que São Jorge abre as portas da Igreja para a inclusão.

- Sabemos que ele tem essa capacidade. E agora, pela segunda vez, ele faz uma inclusão, já que estamos tendo o apoio da Igreja Católica. A porta da Igreja se abriu para os negros e agora se abre para o carnaval também.

Fonte e foto: O Globo 

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