por RITA LISAUSKAS
"Chorei de raiva e FRUSTRAÇÃO no quarto dos internos"
“Menina de 16 anos,
grávida pela primeira vez, chega à maternidade, com contrações ritmadas e sete
centímetros de dilatação. Não se queixava de dores fortes, apenas
desconforto e certo cansaço. Andamos pelos corredores, do lado de fora da
sala do pré-parto, das 23h até meia-noite.
Tudo corria bem, eu fazia massagens na sua região lombar
quando, de repente, a médica plantonista apareceu no local para atender outra
paciente que estava na mesma sala, já que não há pré-parto
individual. Ignorando o meu relato de que a paciente estava evoluindo
super bem prescreveu ocitocina* (hormônio usado para estimular as
contrações) diretamente no soro, sem uso de bomba de infusão, a
correr, sem um controle preciso do número de gotas, apesar de a paciente e a
mãe dela terem dito que não queriam. “A obstetra aqui sou eu!”,
disse.
A paciente começou a sentir contrações dolorosas, ficando
impossibilitada de caminhar. A obstetra mandou ela se deitar na cama, para
novo exame de toque, dizendo “Ah, você está fazendo é fiasco!” e rompeu a bolsa
da parturiente. Líquido claro.
Os batimentos cardíacos do bebê estavam ótimos,
eu captava com o sonar a cada dez minutos, preocupada com tanta ocitocina.
Eu tentava argumentar com a obstetra: “Dra, ela estava com contrações
efetivas, ritmadas.” Mas ouvi: “Agora são meia-noite e meia. Vamos acabar com
isso já!” E repetiu a pérola: “Quem é a obstetra aqui? É tu?” Bom, lá
pelas duas da manhã, a paciente já estava com dilatação total, mas o bebê ainda
estava alto.
E a “Dra” tascou outro soro com ocitocina na moça, sob
protestos da paciente, da mãe, que era sua acompanhante, e meus.
Na sequência levei uma super bronca porque deixei a paciente
beber água. Bom, quando o bebê desceu e estava quase nascendo, a
doutora, com gestos rudes, fez a paciente levantar-se do leito e me pediu para
levá-la para a sala de parto, a cerca de dez metros dali.
Disse para eu me
paramentar, porque seria eu que daria assistência àquele parto. Minha
colega estagiária, também interna, fazia o acompanhamento dos batimentos
cardíacos do bebê que estavam ótimos, em 140 por minuto, e posicionamos a
paciente deitada, em litotomia.
A cabeça do bebê vinha descendo
lentamente, mas descia. Os batimentos do bebê continuavam excelentes. Mas
a obstetra, impaciente, gritou para minha colega realizar manobra de
Kristeller* (manobra proibida, por ser perigosa para mãe e bebê, que
consiste na aplicação de pressão na parte superior do útero com o
objetivo de facilitar a saída do bebê).
Ela se negou e eu disse para ela que nós não realizávamos
aquilo. A médica brigou conosco, xingou todo mundo e mandou a enfermeira subir
na escadinha e fazer. A enfermeira quase montou na paciente, que berrava para
que parassem. A menina dizia que doía muito e que não conseguia respirar. “Cala
a boca!”, gritou a obstetra. E subiu na paciente também.
Eu dizia que não tinha necessidade daquilo, que o bebê estava
descendo. Foi um pandemônio. A obstetra se enfureceu, tirou-me de campo e
fez episiotomia* (corte entre a vagina e o períneo da mulher, também
abolido por muitos médicos humanizados, para “facilitar” a saída do bebê).
Minha colega auscultou novamente o bebê: os batimentos
cardíacos estavam ótimos, 136 por minuto.
Não contente, a médica pediu para a enfermeira trazer o
fórceps. Quando ela colocou, a paciente berrou de dor. E o corte, já enorme e
feito contra a vontade de paciente, aumentou ainda mais, como um rasgo.
A médica puxou o bebê com o fórceps,
desnecessariamente ao meu ver, porque o bebê descia, ainda que lentamente,
era só ter paciência já que os batimentos cardíacos mostravam que tudo evoluía
bem, não havia sofrimento fetal. Até o dorso do bebê estava à esquerda,
como manda o figurino.
A médica olhou para mim, ao final e disse: “Você que ficou aí
parada, sutura aqui a episiotomia!”. Levei mais de uma hora para suturar aquele
corte.
Eu e minha colega anotamos tudo no prontuário. A
“doutora” não gostou do nosso registro e “passou a limpo o prontuário”, fazendo
nova folha de registro! E foi dormir.
Para completar ainda recebi bronca por “ter deixado a
familiar entrar”. Quando retruquei dizendo que é lei federal, ouvi: “Mas eles
não sabem!”
A minha paciente chorou e a mãe dela disse: “É assim mesmo,
filha”. Eu disse que não, não era, que não precisava ser assim, horrível,
enquanto suturava aquele corte profundo, enorme, que ia até quase a nádega da
moça.
Quando solicitei à enfermagem gelo perineal, para reduzir o
edema, elas disseram: “Só se a Dra. prescrever!” Daí me humilhei na frente da
obstetra para conseguir que fosse colocada a compressa de gelo. Consegui, mas
ouvi que tinha sido bom “para ela ver que pôr filho no mundo não é
brincadeira!”
Daí eu entendi que ela fez tudo isso porque a moça tinha
apenas 16 anos.
Também doeu ver que as pessoas não têm consciência de que
isso é violência, mesmo depois de alertamos, eu e minha colega.
A mãe dela disse, no fim: “Olha, doutoras, eu não vou
denunciar a médica porque a gente precisa dos médicos! A gente nunca deve fazer
uma coisa dessas com quem cuida da gente!”
Foi de partir coração ouvir isso. A minha colega e eu
choramos de raiva, de frustração, de tudo, no quarto dos internos. Esse
foi o caso mais criminoso e horrível que eu assisti, o parto mais violento.”
*Explicações sobre os termos foram feitas pelo blog, sob
supervisão da médica.
Raquel*(nome trocado), 30 anos, é estudante de medicina e só
permitiu que esse relato fosse publicado no blog se a identidade dela, do
hospital e da obstetra fossem mantidas em sigilo. A profissional em questão
é professora no curso de medicina e ela, claro, teme represálias.
Fonte: Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário