A entrevistada da Angop foi das primeiras a jogar na Europa, conquistou a primeira medalha africana do basquetebol e participou nos eventos relevantes desde os II Jogos da África Central. Poder-se-ia dizer que nos 40 anos da independência nacional nada lhe escapou.
Este exemplo vivo da vitalidade e da influência da mulher angolana na construção da Nação foi quadro sénior do embrião do Ministério da Juventude e Desportos, ocupou cargos destacados, foi treinadora, basquetebolista, dirigente desportiva, professora, pós-graduada em psicologia.
Íntegra da entrevista:
(Por Marcelino Camões)
Angop: Quais são os maiores feitos do desporto nacional?
Isabel Major - Embora seja algo transversal aquilo que fazemos internamente e o que é feito internacionalmente, os maiores feitos são os resultados desportivos que Angola tem alcançado nos últimos anos; o facto de Angola ter conseguido chegar de forma constante aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, aos campeonatos mundiais depois de ganhar campeonatos africanos.
Angola organizou os Jogos da África Central em 1981. Penso ser o maior evento que o país albergou até hoje. Embora já tenha organizado outros campeonatos, esta foi uma competição multi-desportiva que envolveu muitas pessoas, quer na organização, quer em países participantes.
Angop: Refere-se a resultados do basquetebol masculino, do andebol feminino e do desporto adaptado?
Isabel Major - Sim, essencialmente estas modalidades. Mas temos também o hóquei em patins que tem participado regularmente em campeonatos mundiais, o basquetebol feminino também já começou a dar alguns passos e tem participado em algumas competições a nível mundial. Temos a vela, a pesca desportiva, também o remo e a canoagem e mesmo o xadrez que são modalidades que ao longo do tempo têm, embora de forma intermitente, também participado em competições a nível mundial.
Angop: Os resultados obtidos no basquetebol masculino e andebol feminino (11 títulos africanos cada) justificam o trabalho realizado internamente em Angola?
Isabel Major – Justificam. Claro que é preciso melhorar, porque penso que África é a primeira etapa; a segunda etapa é conseguirmos cada vez melhores resultados em Campeonatos do Mundo e isto já implica maior nível organizativo e desenvolvimento desportivo superior do que aquele que temos hoje, e se calhar aí começaríamos por falar já dos desafios que o desporto angolano tem hoje.
Por um lado, implica que trabalhemos com mais profissionalismo. Não me referi necessariamente a profissionais a trabalharem de forma integral para o desporto, mas quero dizer que quando trabalhamos como voluntários, temos que ser responsáveis, temos que ser íntegros e entregarmo-nos ao trabalho, tal como um profissional. Por outro lado, temos de fazer muita formação.
Angop: Quando fala em formação, um assunto muito abordado nas lides desportivas, é a valorização do professor de educação física. É mundial que o desporto inicia na escola...
Isabel Major – Antes dos outros nos valorizarem, temos que ser nós próprios a nos valorizarmos. Eu posso ter só uma bola de basquetebol ou uma bola de futebol porque sabemos que temos muitos problemas de material desportivo, mas a forma e a minha entrega à aula de educação física tem que ser positiva. Quando vou dar aulas tenho que estar o melhor equipada possível, tenho que ser pontual e profissional de modo a preparar a minha aula para dar aos alunos aquilo que eles precisam. Tenho que me preocupar com a minha formação contínua – esta é a primeira valorização. Depois de fazer o meu “trabalho de casa”, sim, vou exigir que os outros me valorizem. Falo também a nível do Ministério da Educação e do Ministério da Juventude e Desportos, que devem valorizar o professor de modo que ele possa dar a aula nas melhores condições possíveis. É preciso que o espaço onde ele vá dar a aula seja o melhor, quer para ele próprio, quer para os alunos; que ele tenha o material necessário para trabalhar e que também seja valorizado em termos de remuneração por estar a fazer um trabalho bem feito.
Angop: Existe de facto desporto escolar em Angola?
Isabel Major - Existe desporto escolar, pode não ser ainda o desporto como queremos, pode não ser ainda tão bem organizado como é possível organizar, mas existe desporto na escola, porque os alunos têm aulas de educação física, e por um lado ouvimos falar dos Jogos Nacionais que têm sido organizados.
Existe desporto na escola, mas eu quero mais. Eu quero desporto nas escolas do I nível. Quero que o aluno quando entra para a escola, na primeira classe possa fazer desporto. Hoje não temos ainda o número de profissionais necessários para começarmos a abranger também as escolas primárias, mas é importante. Tendo em conta que hoje há cada vez menos espaços públicos para a prática desportiva, aquilo que chamamos jogos pré-desportivos, é importante que a criança na escola primária também tenha acesso às actividades desportivas que vão melhorar não só o seu desempenho como um possível desportista no futuro, mas também o seu desempenho acadêmico, que é uma função que considero fundamental. O desporto melhora a saúde e os níveis de concentração do aluno em qualquer nível de escolaridade.
Angop: O que representa para si o desporto?
Isabel Major – Entrei no desporto por acaso e por acaso fiquei no desporto até hoje. O desporto é uma parte importante da minha vida e que faço com prazer. É saúde e chega a ser em parte família, porque as vivências que temos marcam a nossa vida; fazemos amigos, fazemos colegas de trabalho, fazemos mesmo família. O desporto no fundo é a minha vida.
Fiz e tenho feito amizades no desporto como Nelson Ferreira, Manuela Oliveira, Odília Lopes, Joana Adriana, a Didi Sebastião, o António da Luz que é uma pessoa com quem trabalho até hoje, o Paulo Jorge, Victorino Cunha, Tony Sofrimento – São muitas, corro o risco de esquecer pessoas, é melhor eu ficar por aqui.
Angop: Quais são os desafios que se colocam à mulher enquanto desportista?
Isabel Major – A mulher é dona de casa, é profissional, é mãe, é conselheira e para que ela tenha todo este espaço implica uma compreensão dentro da família, porque o desporto é uma actividade que é realizada não só durante a semana como também aos fins-de-semana. Se não houver este espaço dentro da família, é muito difícil que essa mulher consiga singrar em termos desportivos, não só como atleta, mas também como dirigente ou treinadora.
Não é a mulher que não é emancipada, o homem é que precisa se emancipar. Desculpem os homens que terão acesso a entrevista, porque dependem muito do trabalho que a mulher realiza dentro da família e, por causa disso, o singrar da mulher muitas vezes é limitado, não porque ela não tem capacidade, mas porque ela tem que desempenhar tantos papéis dentro da família que o seu espaço de singrar na sociedade, quer a nível desportivo, quer numa outra área, muitas vezes é limitado por causa da quantidade de papéis que ela tem que desempenhar dentro da família.
Às vezes, ela, mesmo com um marido em casa, tem de desempenhar o papel de pai e mãe. É um desafio muito grande que, se calhar, não é para a mulher, é um desafio para o homem ser mais companheiro e mais participativo nas actividades que a família tem que desenvolver.
Angop: Ainda existe o tabu dentro da família de que desporto é para rapazes?
Isabel Major - Falou dos pais, mas também os namorados, os maridos e também um pouco a sociedade. Quando a modalidade é aparentemente um pouco mais feminina, as pessoas aceitam; mas quando for desporto como por exemplo o futebol, já há algum tabu em relação a isso. Então é importante que, assim como o homem tem a liberdade de escolher, também se deixe que a mulher escolha qual é o desporto que quer praticar.
Angop: Apontou feitos, mas existem também fragilidades ao longo deste tempo…
Isabel Major – Temos algumas fragilidades que eu já referi quando falei que precisamos de formar mais, precisamos de nos organizar mais, precisamos de trabalhar mais e eu repito aqui uma frase que o técnico Victórino Cunha diz constantemente: “Precisamos trabalhar mais e melhor”. E para isso precisamos de formar, de nos entregar com mais responsabilidade, com mais profissionalismo.
Angop: Não praticou futebol, mas por ser o “desporto-rei” e pela vasta experiência e cultura desportiva é inevitável perguntar. Como vê o futebol?
Isabel Major – Penso que este ano o futebol fez duas coisas muito importantes. Fez um curso de treinadores e um seminário. A formação é outro desafio para o futebol. No fundo, é o desafio para o desporto em geral. O futebol é festa, quando se fala do futebol todas as pessoas mostram-se interessadas. Mas temos que ser mais realistas quando falamos de futebol e neste realismo também englobo a imprensa que coloca a selecção nos píncaros, porque ganhou e quando perde a coloca a baixo do zero! Isto não é bom.
Nós temos muitos problemas no futebol, temos muitos problemas na formação dos atletas, não temos os melhores treinadores. Isto não só no futebol, como também nas outras modalidades. Embora estejamos a construir várias infra-estruturas desportivas, não temos ainda um quadro de instalações que satisfaça as necessidades que temos para o nosso desporto. Tudo isso cria dificuldades para termos um futebol melhor. O desporto, se por um lado é festa, por outro é ciência e, se é ciência, temos que começar a trabalhar o nosso futebol como ciência.
Angop: Qual é a sua opinião em relação ao jovem angolano?
Isabel Major - As pessoas dizem que o jovem angolano está perdido – não! Neste momento, temos alguns problemas sociais. O jovem angolano não aceita a velha frase “faça o que eu digo e não faças o que eu faço” . Ele quer exemplos e o exemplo não vem da boca, vem das atitudes, vem dos actos e nós estamos com uma sociedade ainda desestruturada em termos de educação.
Saímos há pouco tempo da guerra e gozamos já alguns anos de paz, mas em momento de guerra perdem-se valores e estes só são retomados com exemplos e não com palavras. São as nossas atitudes que fazem a mudança, podemos falar muito, mas o que os nossos filhos aprendem é aquilo que praticamos. Nós falamos muito dos jovens, mas quem educa estes jovens somos nós. Então algum exemplo nós não estamos a dar. Temos de ser mais verdadeiros e íntegros nas nossas atitudes e isso é que vai fazer com que os nossos jovens mudem.
Angop: Diante deste quadro, qual é a sua expectativa em relação ao futuro?
Isabel Major – Esta frase não é minha “Que cada um de nós seja a mudança que quer ver na nossa sociedade”.
Angop: Qual é o seu ideal para o futuro?
Isabel Major - Que haja paz, mas que venha de dentro e não uma paz exterior, porque é preciso pacificar os nossos corações e nós só pacificamos os nossos corações quando considerarmos todos a nossa volta como irmãos.
Angop: Qual a análise que faz do país em geral nos 40 anos?
Isabel Major – Eu costumo dizer que herdamos um país que não soubemos gerir, não soubemos e estou a falar no passado. Estamos a aprender, vamos aprendendo à medida que ocupamos cargos, à medida que temos de desempenhar funções. É como um pai e uma mãe. Tudo bem que aprendemos com os nossos pais, mas só aprendemos de facto a ser pais quando temos que educar uma criança e é isto que temos feito ao longo dos 40 anos. Vamos dando passos, vamos cometendo alguns erros, vamos aprendendo com estes erros e vamos corrigindo.
Somos independentes, construímos muitas coisas, não só em termos de estruturas físicas, Angola hoje é respeitada a nível internacional por causa das posições que tem tomado, mas eu nunca me comparo a quem está pior que nós. Eu me comparo sempre a quem está melhor, porque é este desafio que nos permite construir mais e construir melhor.
Paris continua a ser a cidade de sonho para muita gente, mas a minha cidade de sonho é Luanda, porque quero que seja também uma cidade de sonho para muita gente, onde as pessoas digam: “Eu quero ir visitar Luanda”.
Angop: Qual a importância que dá à construção e reabilitação de estradas que se assiste por todo o país?
Isabel Major – A construção de estradas é importante porque permite que hoje as pessoas se desloquem de um ponto a outro do país. Estrada significa comunicação, então é um grande ganho, mas eu também quero o comboio a funcionar com a mesma velocidade que as estradas. Já deram alguns passos relativamente ao comboio, mas quero um comboio mais rápido, porque o comboio implica poupança. O comboio já começou a funcionar, mas quero mais. Já temos estradas, mas quero mais. Temos uma cidade de Luanda cheia de prédios, mas eu quero mais. Quero cada pessoa no sítio onde se sinta bem. Hoje já temos alguma habitação social, mas quero mais. Temos os nossos ministérios a funcionar, mas eu quero mais. Eu quero sempre mais, não importa de onde eu vim, o importante é aonde vou.
Angop: Se tivesse de enviar uma mensagem a alguém, qual seria e para quem?
Isabel Major – A minha mensagem é mesmo para o povo angolano. Quero um povo mais ambicioso – o nosso povo é muito generoso. Eu quero que seja mais ambicioso, mais exigente consigo próprio e com os outros também. Eu quero que o meu povo (eu digo mesmo, meu povo, porque é assim como me sinto) exija mais dos professores, exija mais das instituições, reclame os seus direitos de forma correcta. Em Angola, nós temos boas leis e quero que exija que sejam aplicadas e que cumpra com os seus deveres e seus direitos, que seja cidadão.
Angop: Qual é o seu sonho enquanto angolana?
Isabel Major – É ver uma Angola cada vez mais em paz e cada vez mais desenvolvida e que esse desenvolvimento envolva, de facto, o povo angolano.
PERFIL
Nome: Isabel Generosa da Silva Major Neto
Data de Nascimento: 12 de Dezembro de 1962
Estado Civil: Solteira
Naturalidade: Luanda
Nacionalidade: Angolana
Língua – Português, Francês, Alemão, Inglês (em estudo)
Formação académica e profissional
Frequência do 4º ano do curso de Desporto e Educação Física, opção Desporto de Rendimento - Basquetebol (Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, FADE-UP – Portugal);
Mestrado em Psicologia do Desporto - Escola Superior Alemã de Cultura Física (Deutsch Hochschule für Körperkultur - DHfK), em Leipzig - Alemanha.
Curso Médio de Educação Física - Instituto Normal de Educação Física (INEF)
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Curso para Dirigentes Desportivos da Solidariedade Olímpica
Curso de Treinadores Estagiários de Basquetebol
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
2010 - Coordenadora do Secretariado da Comissão Executiva Preparatória da Participação de Angola nas Competições Internacionais;
2008 - Vice-Presidente para o Futebol Feminino da Associação Provincial de Futebol de Luanda;
2012-2014 – Secretária geral da FAB
2010 - Coordenadora de Transportes da Missão Desportiva Angolana aos IV Jogos da Zona VI (S.A.D.C.) Swazilândia
2010 - Chefe de Delegação do Ténis aos Jogos da CPLP Maputo-Moçambique
2009/10 - Coordenadora Adjunta da Comissão de Gestão da Federação Angolana de Ténis, em Luanda
2004/05 - Treinadora Adjunta de Basquetebol de Juniores Masculinos do Académico Futebol Clube Porto-Portugal
2004 - Agente Informativa durante o Campeonato Europeu 2004, no Metro do Porto -Portugal
2003/04 - Treinadora Adjunta de Basquetebol de Cadetes Masculinos do Académico Futebol Clube Porto-Portugal
2000 - Professora de Educação Física de Base, na Escola Primária da Câmara Municipal da Maia-Portugal
1999/01 - Presidente do Conselho Fiscal da Associação de Estudantes Angolanos em Portugal
1997/01 - Vice-Presidente da Associação de Estudantes Angolanos em Portugal, da Região do Porto
1992/93 -Vice-Presidente para o Basquetebol Feminino da Federação Angolana de Basquetebol
1990/93 - Directora do Gabinete Técnico do Ministério da Juventude e Desportos
1989 - Coordenadora Adjunta da Comissão Técnica do Campeonato Africano de Basquetebol em Seniores Masculinos (AFROBASKET 89)
1984/87 - Chefe de Sector de Formação Desportiva Especializada, do Departamento de Alta Competição da Secretaria de Estado de Educação Física e Desporto
1983/84 - Secretária da Comissão Técnica Nacional da Federação Angolana de Basquetebol
1981 - Professora de Educação Física da Escola do II Nível Ngola Kanini
COMO JOGADORA
1989/90 - Atlético Petróleos de Luanda
1987/89 - Jogadora de Basquetebol Profissional pela Deutsch Hochschule für Körperkultur (DHfK) Leipzig-Alemanha
1978/79 - Clube INEF de Luanda
HONRAS PESSOAIS
- Campeã Nacional de Basquetebol de Seniores Femininos oito vezes (1978, 1979, 1980, 1981, 1982, 1983, 1985, 1986)
- Representante dos atletas no 1º Encontro Nacional do Desporto de Angola;
- Jogadora Internacional pela Selecção de Basqutebol de Angola em Seniores Femininos (1981/1986, 1990);
Capitã da Selecção Sénior Feminina de Basquetebol de Angola no Campeonato Africano - Tunis 1990 e nos Jogos da SADC - Lusaka 1990
- Bronze nos II Jogos da África Central, Luanda 1981;
- Bronze no Campeonato Africano de Seniores Femininos, Dakar 1981;
- Bronze no Campeonato Africano de Seniores Femininos, Maputo 1986.
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