Por Mônica Aguiar
Neste 03 de julho de 2024, são muitos os fatos do Brasil que podemos lembrar. Dois deles, o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial e a criação do Ministério da Justiça. Também é dia dos incrédulos e o 184.º dia do ano no calendário gregoriano (185.º em anos bissextos).
Neste 03 de julho, eu faço 58 anos. Ao chegar nesta idade, interrompo meu ciclo diário e penso em tudo que passou e passei.
São tantas as
lembranças que torna incapaz de segurar as lágrimas. Muitas alegrias. Muito
maiores as pelejas e consternações.
Ao pensar nas batalhas, começam a lembrar do tempo em que eu,
ainda jovem e com 03 filhos para criar sozinha, nos períodos de férias, que
deveria descansar, estava presente nas agendas e ações realizadas pelo
movimento negro brasileiro e de mulheres.
Está presente em reuniões, seminários, encontros e congressos não era uma tarefa simples.
Eu quero, eu vou.
Existia toda uma dinâmica para ser eleita como representante e estar nestes lugares.
Os critérios apresentados para a disputa eram sempre
refletidos nos valores existentes na sociedade e constituídos por obstáculos
presentes nas estruturas do racismo.
Para uma mulher negra, com filhos, pobre e favelada, estar
presente nestes locais, além de estratégico, contribuía com a sua formação
política e social. Perfurava a bolha classista, seleta e excludente.
Para mim, também dava condições de aprendizado e informações
que poucas tinham, e, para isto, era necessária muita determinação e
enfrentamento duro para conquistar o acesso nestes espaços.
Estar presente não apenas para dar respaldo em silêncio. Se um número.
Bater palmas ovacionadas. Mas, cumprir meu verdadeiro papel. Defender sem medo teses em defesa dos direitos das mulheres negras, sobre as desigualdades no mercado de trabalho, dentre outras pautas importantes.
Ajudar a construir estratégias que assegurassem ações para
dar viabilidade na apresentação de propostas aos Governos, com objetivo de
fazer com que o Estado brasileiro reconhecesse a existência do racismo,
desigualdades sócio raciais, especificidades e assimetrias na saúde, a
discriminação e preconceitos, genocídio por ações violentas e as
reparações.
Como foi difícil este período. As relações extremamente impertinente, independente de onde estávamos pisando. Ter que suportar todas as manifestações de discriminações e preconceitos existentes.
A vontade de ver o
mundo transformado com justiça e igualdades de oportunidades sempre foi meu
ponto estruturante para manter firme e convicta da fala.
Ao anoitecer e entre as madrugadas, ao retornar ao aposento,
olhar para meus filhos dormindo e ainda ter que pensar que precisaria formar
uma barreira para que não percebessem o que eu estava passando para estar ali e
com eles.
Nem tudo saia desapercebido. Minha filha, com 7 anos,
perguntava-me: mãe, por que não vamos embora daqui? Este povo não gosta de
mulher que tem filhos. A gente não tem roupa direito. Eles ficam olhando, riem
e sussurram.
Com os olhos cheios de lágrimas, eu passava a mão no rosto
dela e respondia: — Um dia você vai entender e, se ainda precisar, fará o
mesmo. Mas será de outra forma.
Não tinha como não chorar muito, pensar em desistir. Fingir
que estava tudo bem. Demostrar-se dura e ser franca para defender, além das
pautas, a minha prole que sempre precisou me acompanhar.
Frases pejorativas: A casa dela não tem televisão! Está nega, gosta de sexo! Está precisando
arrumar trabalho!
Para além das “piadinhas” que doíam muito, sempre mantive meu foco em combater o que outras mulheres negras, como eu, sofriam na sociedade, com misógina, machismo, racismo, preconceitos.
Violações que não permitiram o
exercício da cidadania e limitavam a liberdade de ir e vir, de decisão, de
autonomia sobre o corpo. Violências
política e de gênero.
Pensamentos subjetivos, nunca! Sempre coletivizados com
outras mulheres que faziam o coro e solidarizavam às dificuldades impostas.
Uma agulha no palheiro dos grandes tecnocratas existentes.
Uma voz somada a poucas que resistiam a todas as discriminações e preconceitos
da casta burocrata que se alto titulavam de Capas Pretas.
Eu e algumas pessoas éramos denominadas de pão com salame,
reconhecidamente como o mal necessário para dizer que existia democracia. De
fato, para todas as mulheres sempre existiu uma regra: manda quem pode e
obedece quem teve juízo.
Sempre foi assim, e hoje é muito mais devido à dependência
política, econômica e "este novo conceito de enfrentamento"(this new concept of
coping) onde prevalece a subordinação, resiliência do bom modo de ser e do
bem-saber protestar.
Na minha avaliação, quando falta indignação, sobra
obediência. Como disse Martin Luther King Jr. “O que me preocupa não é o grito
dos maus. É o silêncio dos bons.”
Eu sempre li muito. Escrevia muito pouco devido às críticas
perversamente maldosas para me desestruturar e silenciar meu lugar de fala.
“A LIBERDADE NUNCA É CONCEDIDA VOLUNTARIAMENTE PELO OPRESSOR;
DEVE SER EXIGIDO PELOS OPRIMIDOS. Martin Luther ”
Por mais que eu tenha conquistado um pequeno lugar de posição
dentro desta casta tecnocrata, existem invisibilidades com relação à história
da minha representação e feitos para a sociedade. De fato, quando não negam a existência, ainda utilizam conceitos bairristas e diminutivos. Um apagamento proposital
das minhas ações. Se é político ou
personalíssimo, não sei.
Nos meus 58 anos de sobrevivência, não sei responder quais
são as justificativas para a necessidade prática de produzir a minha
invisibilidade política e como militante e ativista negra.
Um livro ou um pequeno trecho da minha história de vida não
vão conseguir traduzir as mazelas e sequelas existentes.
Neste tempo em que vivo, vou me dar o direito de não colocar flores nos pedestais de quem se apropriou indevidamente de nossos conhecimentos e talento de sobreviver.
Nem muito menos baterei palmas aos gestos individuais
que só contribuem com o apagamento de várias outras mulheres negras que são
protagonistas da história do Brasil.
A história da minha vida, o sonho por liberdade, somasse a
realidade de milhares neste vasto País.
“A gente é criada para ser assim, mas temos que mudar.
Precisamos ser criadas para a liberdade.
O mundo é grande demais para não sermos quem a gente é."
Elza Soares – Cantora”
Esteve em vários movimentos de mulheres negras nacional. Foi sindicalista. Dirigente do Partido dos Trabalhadores , municipal, estadual e nacional. Foi Secretária Estadual de Combate ao Racismo. Ajudou a Coordenar e organizar várias Marchas Nacional de mulheres negras e Zumbi dos Palmares. Mônica Aguiar foi a primeira mulher negra a participar da queima da Bandeira do Brasil no Dia da Bandeira. Foi propositora da criação da Delegacia especializada em crimes Raciais de Minas Gerais e da Coordenadoria estadual de Promoção da Igualdade Racial de Minas. Coordenou várias frentes de luta contra o racismo e em defesa das mulheres negras. Ajudou a criar várias Coordenadorias, conselhos municipais de Promoção da Igualdade Racial em Centena de Cidades de Minas Gerais .
Desde 2010 mantém este Blog Mulher Negra, com “notícias do Brasil e do mundo diariamente. Educação, ciências e tecnologia, cultura, arte, cinema, literaturas, economia, política, dentre outros. Construindo a visibilidade das mulheres negras em fatos reais no mundo”.