Negra e moradora da favela do Canindé, Carolina é autora de Quarto de Despejo, onde retratou o cotidiano da comunidade na década de 1950; Promovidas pela Edições Toró, em outubro, ciclo de atividades inclui oficinas, roda de sambas, debates, filmes e intervenções cênicas
"Todos têm um ideal. O meu é gostar de ler". Nestas palavras, Carolina Maria de Jesus (1914-1977) resume sua trajetória e propósito de vida. Semi-analfabeta, negra e moradora da favela do Canindé, Zona Norte de São Paulo (SP), Carolina tornou-se escritora reconhecida dentro e fora do Brasil com o livro "Quarto de Despejo - Diário de uma Favelada", publicado em 1960. Com uma literatura viva e pulsante, soube pautar as complexidades e contradições da sua realidade. Em 2014, a escritora completaria cem anos de idade. Uma série de atividades e homenagens foi realizada pelo País e, em complemento a elas, neste mês de outubro, mais um ciclo busca celebrar a vida e obra da escritora.
Promovidas pela Edições Toró, atividades como oficinas, roda de sambas, mesas-redondas, debates, filmes, intervenções cênicas e leituras têm sido realizadas em diversos pontos de São Paulo (SP).
Vida e Obra
Apesar de pouco estudo e a incessante e cansativa rotina de catadora, Carolina Maria de Jesus acumulou mais de 20 cadernos com testemunhos sobre o cotidiano da favela. Deles, após edição do jornalista Aldálio Dantas (que a descobriu ao visitar a favela para uma reportagem), originou-se "Quarto de Despejo - Diário de uma Favelada", publicado em 1960.
O livro rompeu com qualquer rotina das edições até então publicadas no País. Em poucos meses, três edições foram lançadas, chegando alcançar a margem de 100 mil livros vendidos, além de ser traduzido para 13 línguas, como romeno, russo, japonês, inglês, sueco e alemão.
Carolina publicou ainda “Casa de alvenaria”, “Journal de Bitita“ (póstumo, 1982, França) e “Meu estranho diário” (também póstumo, 1996, organizado por José Carlos Sebe Bom Meihy e Robert M. Levine)
Literatura viva
Embora o cenário descrito por ela na década de 1960 não seja o mesmo de hoje, Quarto de Despejo é contundentemente atual, uma vez que a luta por melhores condições de vida e dignidade ainda permanecem entre os "trastes velhos" como, criticamente, caracterizava os favelados. “Eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos”, escreveu.
Legado
Sair da favela e arriscar-se em um cenário tão elitizado, como era o literário na época, não foi uma tarefa fácil para a catadora. Ora endeusada, ora considerada porta voz dos pobres, e tantas outras vezes tratada apenas como “uma favelada”, sua escrita, por muito tempo, se não ainda hoje, foi questionada e desconsiderada por vários críticos.
No entanto, a realidade mostrou que a paixão de Carolina pela leitura é exemplo para escritores e escritoras, sejam da periferia ou não. Sua vida e obra foram temas de diversos trabalhos acadêmicos, além de torna-se um legado para gerações atuais.
“Ela era uma mulher sonhadora, a frente do seu tempo. Não concordo quando vestem em Carolina a militância que ela não tinha. Carolina foi sim, porta voz de diversos descasos e escrevia maravilhosamente bem sobre tudo que assolava. Entendia que a questão da cor também interferia no fato de ser moradora de favela. Mas, um legado importante também é que ela falava da pobreza sem louvá-la, sem hipocrisia, e dizia que queria moradia melhor, queria se vestir melhor, comer melhor. Eu enxergo Carolina como uma mulher negra, mãe, não conformada em ser mais uma. Foi uma mulher que deixou um legado a todas nós mulheres negras periféricas: a escrita, o poder, o ser. Ela foi e é, sem sombra de dúvidas, inspiração pra rompimentos. Eu escrevo hoje e foi sim legado de Carolina”, conta a escritora Raquel Almeida.
Confira a programação das atividades em São Paulo
* Quarta-feira, 08 de outubro
19h às 22h – “NA ALVENARIA SAMBANDO A BITITA: CAROLINA ALÉM DE ‘QUARTO DE DESPEJO”
Exibição do filme: “O papel e o mar”, de Luiz Antônio Pilar (Brasil, 2008)
Mesa redonda:
“Sobre ‘Casa de Alvenaria’”, com Fernanda Miranda (mestre em Letras, pesquisadora da obra de Carolina de Jesus)
“Carolina, personagem teatral”, com Lucélia Sérgio (Atriz e diretora na Cia Os Crespos)
“Sobre “Diário de Bitita e as músicas de Carolina” Com Flavia Rios (Socióloga, pesquisadora da vida e obra de Carolina de Jesus)
Mediação: Ruivo Lopes
Intervenções de Janette Santiago
Onde? Na Biblioteca Mario de Andrade – Rua Coronel Xavier de Toledo, centro de São Paulo
* Quarta-feira, 22 de outubro
19h às 22h – “CAROLINA DE JESUS, LETRA QUE ARRANHA, ESPETA E FERTILIZA”
Mesa Redonda:
“Textos de sangue – o estilo e o abalo”, com Mário Augusto (Professor da UNICAMP, sociólogo)
“Carolina, suas armas, horizontes e rastros”, com Jarid Arraes (cordelista, pesquisadora e jornalista)
“Carolina, sujeira no circuito editorial brasileiro?”, com Marciano Ventura (escritor e editor, criador do selo “Ciclo Contínuo”)
Mediação: Allan da Rosa
Onde? Na Biblioteca Mario de Andrade – Rua Coronel Xavier de Toledo, centro de São Paulo
* Sábado, 25 de outubro
16h às 20h – “CAROLINA DE JESUS, A ARQUITETURA DA SOBREVIVÊNCIA E DO REVIDE”
Intervenção cênica de Débora Garcia.
Projeção do filme “Vidas de Carolina”, Jessica Queiroz (Brasil, 2013)
Mesa redonda:
“ Gritos e sussurros negros de Carolina”, com Débora Garcia (Atriz, poeta, presidente da Associação Literatura no Brasil)
“Ironia e drama em Quarto de Despejo”, com Fernanda Sousa (Professora e pesquisadora da obra de Carolina de Jesus)
“Dúvidas e frestas na letra de Carolina”, com Raffaella Fernandez (Pesquisadora da obra de Carolina de Jesus)
Mediação: Allan da Rosa
Onde? Comunidade Mauá – Rua Mauá, nº 342, Luz, ao lado da estação Luz de trêm/metrô
Fontes: CERRT/ Brasil de Fato
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