sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Mulheres buscam mais espaço e diversidade no mercado de tecnologia

SÃO PAULO – Foi pelas mãos de uma mulher que o primeiro algoritmo para computador foi escrito, no século 19. Foi ideia de uma atriz de Hollywood o sistema que serviu como base para a criação do celular. Apesar de mulheres como Ada Lovelace e Hedy Lamarr terem tido papel fundamental no desenvolvimento de novas tecnologias, nomes masculinos como Alan Turing e Tim Berners-Lee são os mais reconhecidos. 
As mulheres “esquecidas” pela tecnologia são um dos temas centrais do novo livro de Walter Isaacson, biógrafo de Steve Jobs, Os Inovadores: Uma biografia da revolução digital. Lançado semana passada nos EUA, o livro chegará ao Brasil no fim do mês pela Companhia das Letras. 
A obra põe mais lenha no debate sobre a diversidade na tecnologia, tema que vem sendo debatido à exaustão nos EUA. O assunto veio à tona quando o Google divulgou em maio um relatório sobre sua diversidade, no qual revela que apenas 30% dos seus funcionários em todo o mundo são mulheres, 2% são negros e 3% são hispânicos. 
O movimento foi seguido por outras empresas de tecnologia(veja gráfico abaixo). O Google apontou o baixo número de mulheres que se formam nos cursos de ciência da computação (18%) como motivo para esse cenário. Mas há outras questões em jogo, como o preconceito e a diferença salarial. Segundo o Censo 2010, do IBGE, as mulheres representam apenas um quarto das 520 mil pessoas que trabalham com computação no Brasil. 
O salário médio delas é 34% menor do que o dos homens. Nos cargos de chefia a situação fica pior. Elas ganham 65% a menos. Já nos EUA os homens ganham em média 24% mais do que as mulheres do setor, segundo o Departamento de Estatística do Trabalho. Por isso, a fala do presidente executivo da Microsoft, Satya Nadella, que na semana passada disse que mulheres que não pedem aumento salarial têm “superpoderes” e que esse é um “carma bom” que “irá retornar para elas”, soou tão mal. “Sempre brinco que ser mulher na tecnologia é como ter um holofote na cabeça. Tudo de bom e ruim que você faz, as pessoas sabem. Se você errar, não é culpa sua, é das mulheres que não servem pra isso mesmo”, diz a programadora Camila Achutti, de 22 anos, diretora do Technovation Challenge no Brasil, programa global de incentivo ao empreendedorismo feminino. 
Negócios
 Uma pesquisa da Universidade Harvard mostra que startups com mulheres na equipe têm 18% menos chance de atrair investimentos. Luciana Caletti, cofundadora da startup Love Mondays e diretora executiva da empresa, já foi questionada durante conversas com investidores sobre o que seus colegas homens pensam sobre aspectos do negócio. “Já ouvi sobre casos em que investidores deixam para fazer as perguntas mais difíceis para os homens da equipe”, diz.
Para ela não faltam oportunidades no mercado para as mulheres e investidores abertos para conhecer as startups criadas por elas. O desafio é superar  ”pré-conceitos” que se formam em torno da imagem feminina. “Estive em um evento só para mulheres executivas e, na hora de apresentar o espaço do evento, o mestre de cerimônias comentou que no local havia também um shopping center, onde as mulheres poderiam fazer umas comprinhas depois do evento, como se esse fosse nosso único interesse”, diz ela, que criou uma equipe mista dentro da sua startup, mas lamenta nunca ter recebido o currículo de uma mulher para as vagas na área de programação.
Para investidora Maria Rita Spina Bueno, esses “pré-conceitos” podem ser mudados com a entrada de mais investidoras no mercado. Ela é cofundadora d o grupo Mulheres Investidoras Anjo (MIA), que busca atrair mulheres para investir em startups no Brasil – atualmente só 5% dos investidores-anjo são do sexo feminino. “Você investe em quem é parecido com você, por isso a diversidade é fundamental”, diz Maria Rita. Para ela, as mulheres ainda são avessas ao risco. “As mulheres se limitam a criar negócios nas áreas sobre as quais elas entendem sem pretensão de que sejam negócios inovadores, de alto impacto e classe mundial. Queremos ajudar a mudar isso”, diz.
Já a empreendedora Ligia Zeppelini luta pela inclusão da família no ambiente corporativo. “Enquanto a mulher não tem filho, para ela é tão fácil empreender quanto o homem. Depois da maternidade, ela não consegue mais lidar com as coisas na velocidade que a tecnologia impõe”, diz. Ligia fechou sua última startup e criou um novo negócio com o marido depois que sua filha nasceu, para não ter que, segundo ela, “terceirizar a educação da filha”. Hoje ela trabalha como mentora de startups e  luta para que ambientes de empresas, escritórios colaborativos e eventos sejam adaptados para mães poderem trabalhar na companhia dos seus filhos. Ela conta, por exemplo, que em um evento foi conversar com o principal convidado após sua apresentação para fazer uma pergunta. Ao verem que ela estava com a filha no colo, acharam que ela queria apenas tirar uma foto com o convidado.
Por isso, ela está organizando para o fim do ano uma edição do Startup Weekend, evento focado em criar startups durante um fim de semana, para famílias, em um ambiente adaptado para crianças, no qual elas possam participar com os pais da criação de negócios. “Fui a um evento com minha filha e no banheiro não tinha trocador. O recado que passam é que só jovens solteiros podem ter o próprio negócio”, diz. “O mundo não deve ser só de um ou do outro.”

Fonte: Estadão 

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